segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O homem que venceu o medo





















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O homem que venceu o medo
João Oleiro era um homem muito medroso . Morria de medo de doenças, de ladrões e até de fantasmas. Ele tinha muitas qualidades e gostava de trabalhar, fazendo com perfeição belos objetos de barro, mas paralisava-o o medo de não vender o que produzisse, o medo de ser roubado, o medo de ficar na miséria.
 
De tanto medo, quase não saía de casa e evitava amigos. Seus negócios, que já não íam muito bem, piores ficaram quando um outro oleiro instalou-se na cidade e roubou-lhe a pequena freguesia que lhe restava. João começou a fazer dívidas e aos poucos os fantasmas que temia passaram a tomar corpo na forma de credores que batiam à sua porta e o ameaçavam de prisão.
 
Desesperado, não vendo saída para os seus problemas, João Oleiro resolveu matar-se.
 
“Por que não?”, pensou ele. “A vida para mim não vale mais nada. Não tenho amigos, não tenho fregueses, não tenho dinheiro nem para comer. Está resolvido: vou me matar.”
Assim que decidiu isso, João parou de se atormentar. Com a calma advinda do irremediável, ponderou que, já que aquele seria seu último ato, deveria fazê-lo bem feito. Como não fosse nada preguiçoso, resolveu primeiro fabricar um bom caixão para si mesmo. Lembrou-se de ter visto um velho barco abandonado na beira do rio e, à noite, tomando cuidado para não ser visto, foi buscá-lo.
 
Em casa, cortou a madeira e passou o dia todo lixando, martelando, pintando. Já era tarde quando o caixão ficou pronto; muito bem acabado, parecia obra de um mestre. Satisfeito consigo mesmo, João resolveu comemorar. Esquecendo que já ninguém lhe vendia fiado, entrou na taberna e pediu, todo cheio de si, uma caneca de cerveja. O taberneiro, diante daquela pose confiante, não ousou recusar, porém ficou intrigado: um homem naquela situação miserável rindo à toa? “Ali tem coisa”, pensou. Um dos empregados da taberna lembrou-se de tê-lo visto em atitude suspeita lá na beira do rio. – Talvez tenha encontrado algum tesouro – arriscou ele ao patrão.
 
João bebeu sua cerveja e voltou para casa. Muito contente, dormiu uma noite  cheia de sonhos agradáveis. Na manhã seguinte, acordou sentindo-se muito bem. Abriu as janelas de sua casa, deixou o sol entrar e decidiu que poderia conceder-se três dias de prazo antes de matar-se, pois queria aproveitar aquela sensação de bem-estar. E como o seu coração estivesse leve, pegou um pouco de barro e pôs-se a modelar tudo o que lhe vinha à imaginação, sem medo de censuras.
 
Trabalhou com gosto e no fim do dia admirou com orgulho a sua produção: vasos e potes lindos, originais, verdadeiras obras-primas.
 
Satisfeito, novamente João foi à cidade comemorar , mal cabendo em si de felicidade. Seus amigos, estranhando aquela atitude, resolveram, no dia seguinte, dar uma espiada em sua casa. E lá dentro viram João, que trabalhava assobiando, rodeado de belíssimas peças de barro. Um dos amigos resolveu entrar e oferecer um  bom dinheiro por um dos vasos. Outros logo o imitaram, e assim ele foi vendendo tudo o que produzia.
 
No fim daqueles três dias, João resolveu se permitir mais um prazo. “Afinal”, pensou, “sou eu quem vai morrer, posso marcar o dia que quiser. Além disso, estou cheio de encomendas e não quero decepcionar os amigos. Mais uma semana seria bom”, determinou e continuou trabalhando feliz, criando arrojadas peças . Não demorou que seus objetos de barro ganhassem fama. O outro oleiro, seu concorrente, não conseguiu segurar a freguesia: todos só falavam nos inigualáveis vasos de João.
 
De bem com a vida, é claro que João não pensou mais em morrer. Adiou indefinidamente aquela idéia e tratou de aproveitar sua sorte. Foi ficando rico, pagou suas dívidas, casou-se com uma boa moça e construiu para eles uma bela casa. No fundo da casa, num quartinho fechado a chave, guardou o caixão que fabricara naquele dia de desespero. A todos dizia que ali estava encerrado o segredo de sua prosperidade.
 
Só muitos anos mais tarde, depois de uma longa vida  venturosa, morreu João Oleiro. Abrindo o quarto secreto, seus netos descobriram que o único segredo da felicidade daquele homem foi ter sabido um dia enterrar o seu medo. 
Rosane Pamplona - Novas Histórias Antigas - São Paulo: BRINQUE-BOOK,1998.

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