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Era uma vez uma princesa que gastava sete pares de sapatos por noite. Ninguém sabia explicar o estranho fato. Por isso, o rei vivia acabrunhado e prometera dar a mão da filha a quem descobrisse o mistério. Mas aquele que tentasse fazer isso e não fosse bem sucedido teria a cabeça degolada. Muitos já tinham experimentado e recebido o castigo.
Um bom rapaz, chamado Joãozinho, passando pela cidade em que morava a princesa, foi informado do misterioso acontecimento. Resolveu então decifrar o enigma, embora soubesse do triste destino que teria se fracassasse na empresa. Joãozinho era inteligente e corajoso. Além disso, muito confiava no auxílio de Nossa Senhora, sua madrinha.
Após várias tentativas, conseguiu entrar no palácio e falar ao rei. Declarou que estava pronto para desvendar o mistério. O rei avisou-o do que lhe aconteceria se nada conseguisse. O rapaz disse que estava decidido a enfrentar as conseqüências. Pedia somente que o deixassem dormir num canto do palácio de onde pudesse vigiar o quarto da princesa. O rei concordou com a exigência e permitiu que ele dormisse perto dos aposentos da filha.
O pedido de Joãozinho chegou, porém, aos ouvidos da princesa que deu ordem à sua criada para pôr dormideira no café do rapaz. Mas este, que não era tolo, fêz que bebeu e lançou fora o café. Fingiu que dormia profundamente, embora não tirasse os olhos do quarto da princesa. Quando bateu meia-noite, percebeu um ruído que saía de um baú de folha, fechado, que se encontrava sob a cama da princesa. Nisto ouviu a moça dizer baixinho: — Calicote! Calicote! De repente, o baú abriu-se, e dele pulou um diabinho que exclamou:
— Está na hora! Está na hora, princesa!
A princesa vestiu-se num instante. Calçou um par de lindos sapatos e colocou no baú mais meia dúzia de pares de sapatos. O diabinho pegou no baú e saiu pela janela com a princesa. Joãozinho correu para fora do palácio e viu uma carruagem belíssima puxada por dois cavalos pretos, arreados de ouro e prata. O Calicote e a princesa tomaram assento no carro. Joãozinho saltou para a traseira da carruagem que partiu veloz como o vento.
Após alguns minutos de vertiginosa corrida, apareceu um campo onde cresciam flores de prata. Joãozinho apanhou uma e guardou no bolso. Mais adiante, atravessaram outro campo, onde brilhavam flores de ouro. Em seguida, surgiu outro campo onde refulgiam flores de diamante. De cada um desses campos, Joãozinho conseguiu retirar uma flor que guardou cuidadosamente. Finalmente, chegaram a um palácio coberto de ouro e de pedras preciosas. Num salão enorme, cheio de convidados, ricamente vestidos, uma orquestra invisível tocava músicas maravilhosas.
Quando a princesa chegou ao palácio, todos os convidados se dirigiram para a sala de jantar onde se realizou um grande banquete. Joãozinho conseguiu saltar por uma janela e esconder-se debaixo da mesa. De vez em quando, um convidado deixava cair um osso de peru ou de galinha, que o rapaz apanhava e guardava no bolso. Depois do banquete, começou o baile. Cada vez que dançava, a princesa estragava um par de sapatos que Calicote jogava fora, substituindo por outros que trouxera no baú. Joãozinho, com grande agilidade, conseguiu apanhar todos os sapatos usados pela princesa.
Quando faltavam alguns minutos para as duas horas, a princesa exclamou:
— Calicote, está na hora!
— Sim, princesa, vamos! respondeu o diabinho.
Acompanhados de todos os convidados, a princesa e Calicote se dirigiram para a porta do palácio. Tomaram a carruagem, em cuja traseira Joãozinho já se achava escondido. Os cavalos pretos partiram velozes como relâmpagos e, quando bateram as duas horas, já a carruagem estava à porta do palácio do rei. Logo que Calicote e a princesa entraram no palácio, a carruagem e os cavalos desapareceram como por encanto. A princesa recolheu-se ao seu quarto e Calicote entrou no baú que foi colocado debaixo da cama.
Quando amanheceu, o rei, que estava aflito para saber da solução do enigma, mandou logo vir Joãozinho à sua presença. O rapaz então lhe disse:
- Saiba Vossa Majestade que a resposta lhe será dada hoje, à hora do jantar. Dê um grande banquete e convide para o mesmo a princesa e um padre.
O rei não pôde deixar de rir diante do estranho pedido do rapaz. Mas satisfez o seu desejo. Realizou-se então o jantar com grande pompa e, no momento da sobremesa, Joãozinho levantou-se e brindou à princesa, dizendo que lhe ia oferecer ricos presentes.
— No jardim deste palácio haverá flores de prata? perguntou êle. E tirou do bolso uma flor de prata que entregou à princesa. Esta ficou pálida e colocou a flor sobre a mesa.
— Haverá também flores de ouro e diamente? tornou a perguntar Joãozinho. E tirou do bolso novas flores que entregou à princesa.
— E osso de galinha, de prata? E pés de peru, de ouro? Haverá, por acaso?
Todos os que estavam no banquete ficaram maravilhados com os belos e misteriosos objetos que o rapaz oferecia à princesa. Esta ficava cada vez mais pálida. Afinal, Joãozinho perguntou à princesa:
— Conhece Vossa Alteza este sapato? E mais este? E foi mostrando os pares de sapatos até completar sete.
— Pois tudo isso pertence a Vossa Alteza!
A princesa soltou um grito e caiu desmaiada. Joãozinho correu então ao quarto da moça e trouxe de lá o baú para que o padre o benzesse. Quando o sacerdote fêz o sinal da cruz, o baú deu um estrondo e desapareceu no meio da fumaça com cheiro de enxofre.
Nesse momento, a princesa abriu os olhos, voltando a si, e exclamou cheia de alegria:
— Graças a Deus, estou salva!
Tinha ficado livre do terrível encantamento que uma bruxa lhe impusera com inveja da sua grande beleza.
Todo o mundo ficou satisfeito com a vitória do rapaz. Houve festas em todo o reino que duraram uma semana. Joãozinho casou-se com a linda princesa e nunca se esqueceu do auxílio de sua madrinha, Nossa Senhora.