Um cego andava pedindo esmola pela mão de um moço; a uma porta deram-lhe um naco de
pão e um bocado de linguiça. O moço pegou no pão e deu-o ao cego para metê-lo na sacola, e
ia comendo a linguiça muito à sorrelfa. O cego, desconfiado, pelo caminho começa a bradar
com o moço:
– Ó grande tratante, cheira-me a linguiça! Acolá deram-me linguiça e tu só me entregaste o
pão.
– Pela minha salvação, que não deram senão pão.
– Mas cheira-me a linguiça, refinado larápio!
E começou a bater com o bordão no moço pancadas de criar bicho. O moço era ladino e disse
lá para si que o cego lhas havia de pagar. Quando iam por uns campos onde estavam uns
sobreiros, o moço embicou o cego para um tronco, e grita-lhe:
– Salta, que é rego. O cego vai para saltar e bate com os focinhos no sobreiro. Grita ele:
– Ó rapaz do diabo! Que te racho.
Diz-lhe ele:
Pois cheira-lhe o pão a linguiça, E não lhe cheira o sobreiro à cortiça?
* * *
Teófilo Braga,
Contos Tradicionais do Povo Português,
1883
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