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HOJE ALGUMAS FRASES ME DEFINEM: Clarice Lispector "Os contos de fadas são assim. Uma manhã, a gente acorda. E diz: "Era só um conto de fadas"... Mas no fundo, não estamos sorrindo. Sabemos muito bem que os contos de fadas são a única verdade da vida." Antoine de Saint-Exupéry. Contando Histórias e restaurando Almas."Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." Fernando Pessoa

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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Duas Cabras Numa Ponte



Uma ponte estreita ligava duas montanhas. Em cada uma das montanhas vivia uma cabra. Dias havia em que a cabra da montanha ocidental atravessava a ponte para ir pastar na montanha oriental. Dias havia em que a cabra da montanha oriental atravessava a ponte para ir pastar na montanha ocidental. Mas, um dia, as cabras começaram a atravessar a ponte ao mesmo tempo.
Encontraram-se no meio da ponte. Nenhuma queria ceder passagem à outra.
— Sai da frente! — gritou a Cabra Ocidental. — Estou a atravessar a ponte
— Sai tu da frente! — berrou a Cabra Oriental. — Quem está a atravessar sou eu!
Como nenhuma delas queria recuar e nenhuma delas podia avançar, ali ficaram, enfurecidas, durante algum tempo. Finalmente, entrelaçaram os chifres e começaram a empurrar. Eram tão semelhantes em força que apenas conseguiram empurrar-se uma à outra da ponte abaixo. Molhadas e furiosas, saíram do rio e subiram a encosta, a caminho de casa, cada uma murmurando para si: “Vejam só o que a teimosia dela provocou.”

Fábula Russa - registrada por Margaret Read MacDonald: Peace Tales

Pauzinhos de Marfim


Imagem do Gloogle
Na China antiga, um jovem príncipe resolveu mandar fazer, de um pedaço de marfim muito valioso, um par de pauzinhos. Quando isto chegou ao conhecimento do rei seu pai, que era um homem muito sensato, este foi ter com ele e explicou-lhe:
— Não deves fazer isso, porque esse luxuoso par de pauzinhos pode levar-te à perdição!
O jovem príncipe ficou confuso. Não sabia se o pai falava a sério ou se estava a brincar. Mas o pai continuou:
— Quando tiveres os teus paus de marfim, verás que não ligam com a loiça de barro que usamos à mesa. Vais precisar de copos e tigelas de jade. Ora, as tigelas de jade e os paus de marfim não admitem iguarias grosseiras. Precisarás de cauda de elefante e fígado de leopardo. E quem tiver comido cauda de elefante e fígado de leopardo não vai contentar-se com vestes de cânhamo e uma casa simples e austera.
Irás precisar de fatos de seda e palácios sumptuosos. Ora, para teres tudo isto, vais arruinar as finanças do reino e os teus desejos nunca terão fim. Depressa cairás numa vida de luxo e de despesas sem limite. A desgraça irá atingir os nossos camponeses, e o reino afundar-se-á na ruína e desolação… Porque os teus paus de marfim fazem lembrar a estreita fissura no muro de uma fortaleza, que acaba por destruir toda a construção.
O jovem príncipe esqueceu o seu capricho e mais tarde veio a ser um monarca reputado pela sua grande sensatez.
Parábola Chinesa por Han Fei.

Clarisse Lispector


"Antes de julgar a minha vida ou o meu caráter, calce os meus sapatos e percorra o caminho que eu percorrí, viva as minhas tristezas, as minhas dúvidas e minhas alegrias. Percorra os anos que eu percorrí, tropece onde eu tropecei e levante-se assim como eu fiz. E então, só aí poderás julgar. Cada um tem a sua própria história. Não compare a sua vida com a dos outros. Você não sabe como foi o caminho que eles tiveram que trilhar na vida".

Imagem do Google

As Lágrimas de Potira


Muito antes de os brancos atingirem os sertões de Goiás, em busca de pedras preciosas, existiam por aquelas partes do Brasil muitas tribos indígenas, vivendo em paz ou em guerra e segundo suas crenças e hábitos.
Numa dessas tribos, que por muito tempo manteve a harmonia com seus vizinhos, viviam Potira, menina contemplada por Tupã com a formosura das flores, e Itagibá, jovem forte e valente.
Era costume na tribo as mulheres se casarem cedo e os homens assim que se tornassem guerreiros.
Quando Potira chegou à idade do casamento, Itagibá adquiriu sua condição de guerreiro. Não havia como negar que se amavam e que tinham escolhido um ao outro. Embora outros jovens quisessem o amor da indiazinha, nenhum ainda possuía a condição exigida para as bodas, de modo que não houve disputa, e Potira e Itagibá se uniram com muita festa.
Corria o tempo tranqüilamente, sem que nada perturbasse a vida do apaixonado casal. Os curtos períodos de separação, quando Itagibá saía com os demais para caçar, tornavam os dois ainda mais unidos. Era admirável a alegria do reencontro!
Um dia, no entanto, o território da tribo foi invadido por vizinhos cobiçosos, devido à abundante caça que ali havia, e Itagibá teve que partir com os outros homens para a guerra.
Potira ficou contemplando as canoas que desciam rio abaixo, levando sua gente em armas, sem saber exatamente o que sentia, além da tristeza de se separar de seu amado por um tempo não previsto. Não chorou como as mulheres mais velhas, talvez porque nunca houvesse visto ou vivido o que sucede numa guerra.
Mas todas as tardes ia sentar-se à beira do rio, numa espera paciente e calma. Alheia aos afazeres de suas irmãs e à algazarra constante das crianças, ficava atenta, querendo ouvir o som de um remo batendo na água e ver uma canoa despontar na curva do rio, trazendo de volta seu amado. Somente retornava à taba quando o sol se punha e depois de olhar uma última vez, tentando distinguir no entardecer o perfil de Itagibá.
Foram muitas tardes iguais, com a dor da saudade aumentando pouco a pouco. Até que o canto da araponga ressoou na floresta, desta vez não para anunciar a chuva mas para prenunciar que Itagibá não voltaria, pois tinha morrido na batalha.
E pela primeira vez Potira chorou. Sem dizer palavra, como não haveria de fazer nunca mais, ficou à beira do rio para o resto de sua vida, soluçando tristemente. E as lágrimas que desciam pelo seu rosto sem cessar foram-se tornando sólidas e brilhantes no ar, antes de submergir na água e bater no cascalho do fundo.
Dizem que Tupã, condoído com tanto sofrimento, transformou suas lágrimas em diamantes, para perpetuar a lembrança daquele amor.


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Lenda indígena do Brasil.


As Perguntas de Dom Lobo


Um moço trabalhador e direito morava com sua mãe, labutando pela vida com muita dificuldade. Uma feita disse:
- Minha mãe! Não podemos pssar o resto da vida nesta miséria, quase sem ter o que comer. Fique minha mãe com o roçado, as cabeças de ovelhas, e bote sua benção que vou pelo mundo ver o que posso fazer.
A mãe abençoou-o e o rapaz foi-se embora pelo mundo. Onde chegava, trabalhava uma semana e ia para diante. Tempos depois chegou a um reinado bonito mas sem gente. As ruas limpas de povo, as casas fechadas, tudo calado, sem um choro de menino ou voz de homem, parecia um descampado. O rapaz procurou a casinha de um velho e pediu agasalho. O velho recebeu-o muito bem e deu de cear. Quando estavam comendo o rapaz perguntou por que o reinado era assim triste. O velho explicou que, por mal dos pecados do povo, aparecera ali um homem encantado, de nome Dom Lobo, dono de um palácio, que botara para obrigação comer o coração de uma pessoa todo dia. Pega a criatura e faz três perguntas. Se a criatura responder, pode fazer outras três a Dom Lobo, mas não nasceu ainda esse cristão para adivinhar as perguntas de Dom Lobo. Não responde e Dom Lobo mata e come o coração dos pobres. Por isso é que toda a gente vivia escondida e tremendo de medo.
O rapaz dormiu e na manhã do outro dia saiu para a rua perguntando onde era o palácio de Dom Lobo. O povo ficava espantado com o atrevimento dele mas ensinava. O moço chegou perto de umas pedras grandes e lá em cima estava o palácio que era um monarca de grande, por um portão de ferro. O rapaz tocou-se para o palácio com coragem. Chegou, bateu, e as portas se abriram por si mesmo. O moço enfiou-se por dentro, sobe aqui, desce ali, até que chegou num salão que era uma beleza. Aí apareceu Dom Lobo, um homem alto, forte como um touro, todo cabeludo, com olhos de gato e uns dentes de onça-tigre. Quando viu o rapaz deu uma gargalhada de estrondar o mundo. Falou, com voz grossa de bicho encantado, mandando o rapaz sentar. Depois perguntou:
- Que é que tanto mais velho mais forte fica?
- É o vinho, - respondeu o moço.
- Que é que tanto se tira mais fica?
- Água do mar!
- Qual é o lugar onde todos vão e ninguém quer ir?
- O cemitério!
- Acertou, cabra danado! Faça as três perguntas que quiser!
- Quem é que nasceu de uma virgem, batizou-se num rio e morreu numa cruz?
O homão rangeu os dentes como um desesperado porque não podia dizer o santo nome de Jesus Cristo. Deu um estouro que estremeceu tudo e subiu aquela bola de fumaça cobrindo o mundo. Quando clareou, o rapaz estava em cima das pedras. O palácio e Dom Lobo tinham se sumido. O povo estava todo reunido batendo palmas e levou o moço em charola para o rei. Deram uma casa com todos os preparos, fazenda de gado, muito dinheiro. O rapaz mandou uma carrugem buscar sua mãe e viveu muito bem e satisfeito.
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Fonte: Luís da Câmara Cascudo: Contos tradicionais do Brasil

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A Hiena e o Gala-gala

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A Hiena estabeleceu relações de amizade com o Gala-Gala.
Um dia, a Hiena preparou cerveja e foi chamar o seu amigo lagarto:
__ Vamos beber cerveja.
Foram. O Gala-Gala embriagou-se. Perguntou à sua amiga Hiena:
__ Amiga, tu que gostas tanto de carne, se me encontrares morto no caminho, és capaz de me comer?
__Não, isso nunca. Eu quero ser tua amiga.
O lagarto embriagou-se muito e despediu-se:
__ Amiga, vou para minha casa.
_Está bem.
O Gala-Gala partiu. A meio do caminho, deitou-se a dormir. A Hiena pensou: "O meu amigo bebeu muito. É melhor ir ver se ele chega bem a casa".
Encontrou-o no caminho, deitado. Levantou-o:
__É sono, amigo? É embriaguez?
Segurou-o, virando-o. O lagarto calou-se, sem respirar. A Hiena agarrou nele e atirou-o para o mato. Depois saiu do caminho, foi ver onde é que o Gala-Gala tinha caído e encontrou-o.
__O meu amigo morreu.
Cortou lenha, fez fogo, e agarrou no lagarto para o assar na fogueira. O Gala-Gala, sentindo o calor do fogo, bateu com a cauda nos olhos da Hiena e subiu, depressa, para uma árvore.
A amizade entre eles acabou ali. O Gala-Gala passou a viver nas árvores e a Hiena continuou a andar no chão, para nunca mais se encontrarem.
Fábula Africana.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Uma Lenda Árabe Sobre o Destino




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"Dêem graças em todas as circunstâncias, pois esta é a vontade de Deus

para vocês em Cristo Jesus"



I Tessalonicenses 5.18

Conta a lenda, que um jovem chegou à beira de um oásis, junto a um povoado e, aproximando-se de um ancião, perguntou-lhe:

"Que tipo de pessoas vivem neste lugar?"

O ancião, por sua vez, perguntou:

"Que tipo de pessoa vive no lugar de onde você vem?"

Respondeu-lhe o rapaz:

"Oh! Um grupo de egoístas e malvados. Estou satisfeito de haver saído de lá.”

A isso o ancião replicou "A mesma coisa você haverá de encontrar por aqui."

No mesmo dia, um outro jovem se acercou do oásis para beber água e vendo o ancião perguntou-lhe:

"Que tipo de pessoas vive por aqui?"

O ancião respondeu com a mesma pergunta:

"Que tipo de pessoas vive no lugar de onde você vem?"

E o rapaz respondeu:

"Um magnífico grupo de pessoas, amigas, honestas, hospitaleiras. Fiquei muito triste por ter que deixá-las".

O ancião respondeu com a mesma pergunta:

Respondeu o ancião:

"O mesmo encontrará por aqui".

Um homem que havia escutado as duas conversas, perguntou ao velho:

"Como é possível dar respostas tão diferentes à mesma pergunta?"

E o ancião respondeu:

"Cada um carrega no seu coração o meio em que vive. Aquele que nada encontrou de bom nos lugares por onde passou, não poderá encontrar outra coisa por aqui. Aquele que encontrou amigos ali, também os encontrará aqui."

Somos todos peregrinos!

Cada um encontra na vida exatamente o que traz dentro de si.

"Nada na vida tem sentido se eu não tiver amor!"

Desconheço o Autor

Por que os cães se cheiram uns aos outros?


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Quando os cães governavam-se a si mesmos, havia dois grandes reinos chefiados por poderosos cães. Cada um deles gabava-se de ter mais súditos e riquezas do que o outro. Embora fossem adversários, viviam em paz, e essa trégua só foi quebrada no dia em que um deles se apaixonou pela irmã do outro chefe. Perdido de amores, ele se dirigiu pessoalmente aos domínios do rival:

– Meu nobre amigo – disse o cão apaixonado -, fiz essa longa e cansativa viagem até o teu reino para pedir a mão da tua irmã em casamento.

– Com a minha irmã! – respondeu aos gritos o outro cão –, não quero que você case com ela de jeito nenhum.

Humilhado com a resposta, o cão desdenhado voltou furioso para sua corte. Assim que chegou, reuniu o Conselho de Guerra e mandou chamar um fiel servidor para que levasse a seguinte mensagem ao seu inimigo:

– Diga-lhe que como me recusou a mão da irmã, que se prepare para lutar, pois dentro de poucos dias irei marchar com meu exército para destruí-lo.

O mensageiro ouviu tudo bem direitinho e já ia partindo quando um dos conselheiros reais o chamou:

– Você não pode sair assim todo sujo – disse o conselheiro real. – A sua cara e a cauda estão imundas.

Os criados deram um longo banho no mensageiro e perfumaram a cauda dele com os melhores perfumes do reino, pois de acordo com os costumes daquele tempo, um mensageiro tinha que se preparar adequadamente para executar uma tarefa.

No caminho, o mensageiro achou-se tão cheiroso e galante que começou a procurar esposas para ele mesmo, deixando de lado a missão que o chefe havia lhe confiado.

É por isso que os cães andam sempre atrás uns dos outros, cheirando as suas caudas, para verem se acham o mensageiro perdido.

Lenda africana. Recolhido Por Rogério Andrade Barbosa
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terça-feira, 1 de novembro de 2011

Pele de Foca, Pele da Alma


Mulheres Que Correm Com Os Lobos
Mitos e Histórias dos Arquétipos da Mulher Selvagem


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Houve um tempo, que passou para sempre e que irá logo estar de volta, em que um dia corre atrás do outro, de céus brancos, neve branca e todos os minúsculos pontinhos escuros ao longe são pessoas, cães, ou ursos.
Nesse lugar, nada viceja gratuitamente. Os ventos são fortes, e as pessoas se acostumaram a trazer consigo seus parkas, mamleks e botas, já de propósito. Nesse lugar, as palavras se congelam ao ar livre, e frases inteiras precisam ser arrancadas dos lábios de quem fala e descongeladas junto ao fogo para que as pessoas possam ver o que foi dito. Nesse lugar, as pessoas vivem na basta cabeleira da velha Annuluk, a avó, a velha feiticeira que é a própria Terra. E foi nessa terra que vivia um homem, um homem tão solitário que, com o passar dos anos, as lágrimas haviam aberto fundos abismos no seu rosto.
Ele tentava sorrir e ser feliz. Ele caçava. Colocava armadilhas e dormia bem. No entanto, sentia falta de companhia. Às vezes, lá nos bancos de areia, no seu caiaque, quando uma foca se aproximava, ele se lembrava de antigas histórias sobre como as focas haviam um dia sido seres humanos e como o único remanescente daqueles tempos estava nos seus olhos, que eram capazes de retratar expressões, aquelas expressões sábias, selvagens e amorosas. Às vezes ele sentia nessas ocasiões uma solidão tão profunda que as lágrimas escorriam pelas fendas já tão gastas no seu rosto.
Uma noite ele caçou até depois de escurecer, mas sem conseguir nada. Quando a lua subiu no céu e as banquisas de gelo começaram a reluzir, ele chegou a uma enorme rocha malhada no mar e seu olhar aguçado pareceu distinguir movimentos extremamente graciosos sobre a velha rocha.
Ele remou lentamente e com os remos bem fundos para se aproximar, e lá no alto da rocha imponente dançava um pequeno grupo de mulheres, nuas como no primeiro dia em que se deitaram sobre o ventre da mãe. Ora, ele era um homem solitário, sem nenhum amigo humano a não ser na lembrança — e ele ficou ali olhando. As mulheres pareciam seres feitos de leite da lua, e sua pele cintilava com gotículas prateadas como as do salmão na primavera. Seus pés e mãos eram longos e graciosos.
Elas eram tão lindas que o homem ficou sentado, atordoado, no barco, e a água nele batia, levando-o cada vez mais para junto da rocha. Ele ouvia o riso magnífico das mulheres... pelo menos elas pareciam rir, ou seria a água que ria às margens da rocha? O homem estava confuso, por se sentir tão deslumbrado. Entretanto, dispersou-se a solidão que lhe pesava no peito como couro molhado e, quase sem pensar, como se fosse seu destino, ele saltou para a rocha e roubou uma das peles de foca ali jogadas. Ele se escondeu por trás de uma saliência rochosa e ocultou a pele de foca dentro do seu qutnquq, parka.
Logo, uma das mulheres gritou numa voz que era a mais linda que ele já ouvira... como as baleias chamando na madrugada... ou não, talvez fosse mais parecida com os lobinhos recém-nascidos caindo aos tombos na primavera... ou então, não, era algo melhor do que isso, mas não fazia diferença porque... o que as mulheres estavam fazendo agora?
Ora, elas estavam vestindo suas peles de foca, e uma a uma as mulheres-focas deslizavam para o mar, gritando e ganindo de felicidade. Com exceção de uma. A mais alta delas procurava por toda a parte a sua pele de foca, mas não a encontrava em lugar nenhum. O homem sentiu-se estimulado — pelo quê, ele não sabia. Ele saiu de trás da rocha, dirigindo um apelo a ela.
— Mulher... case-se... comigo. Sou um... homem... sozinho.
— Ah — respondeu ela. — Eu não posso me casar, porque sou de outra natureza, pertenço aos que vivem temeqvanek, lá embaixo.
— Case-se... comigo — insistiu o homem. — Em sete verões, prometo lhe devolver sua pele de foca, e você poderá ficar ou ir embora, como preferir.
A jovem mulher-foca ficou olhando muito tempo o rosto do homem com olhos que, se não fossem suas origens verdadeiras, pareciam humanos.
— Irei com você — disse ela, relutante. — Dentro de sete verões, tomaremos a decisão.
E assim, com o tempo, tiveram um filho a quem deram o nome de Ooruk. A criança era ágil e gorda. No inverno, a mãe contava a Ooruk histórias de seres que viviam no fundo do mar enquanto o pai esculpia um urso em pedra branca com uma longa faca. Quando a mãe levava o pequeno Ooruk para a cama, ela lhe mostrava pelo buraco da ventilação as nuvens e todas as suas formas. Só que, em vez de falar das formas do corvo, do urso e do lobo, ela contava histórias da vaca-marinha, da baleia, da foca e do salmão... pois eram essas as criaturas que ela conhecia.
No entanto, à medida que o tempo foi passando, sua pele começou a ressecar. A princípio, ela escamou e depois passou a rachar. A pele das suas pálpebras começou a descascar. O cabelo da sua cabeça, a cair no chão. Ela se tornou naluaq, do branco mais pálido. Suas formas arredondadas começaram a definhar. Ela procurava esconder seu caminhar claudicante. A cada dia seus olhos, sem que ela quisesse, iam ficando mais opacos. Ela passou a estender a mão para tatear porque sua vista estava escurecida.
E as coisas iam dessa forma até uma noite em que o menino Ooruk despertou ouvindo gritos e se sentou ereto nas cobertas de pele. Ele ouviu um rugido de urso, que era seu pai repreendendo a mãe. Ouviu, também, um grito como o da prata que ressoa com uma pedra, que era sua mãe.
— Você escondeu minha pele de foca há sete longos anos, e agora está chegando o oitavo inverno. Quero que me seja devolvido aquilo de que sou feita — gritou a mulher-foca.
— E você, mulher — vociferou o marido. — Você me deixará se eu lhe der a pele.
— Não sei o que eu faria. Só sei que preciso daquilo a que pertenço.
— E você me deixaria sem mulher, e a seu filho, sem mãe. Você é má.
Com essas palavras, o marido afastou com violência a pele da porta e desapareceu noite adentro. O menino adorava a mãe. Ele tinha medo de perdê-la e, por isso, chorou até dormir... só para ser acordado pelo vento. Um vento estranho... que parecia chamá-lo.
— Oooruk, Ooorukkkk.
Ele pulou da cama, tão apressado que vestiu o parka de cabeça para baixo e só puxou os mukluks até a metade. Ao ouvir seu nome chamado insistentemente, ele saiu correndo na noite estrelada.
— Ooooooorukkk.
O menino correu até o penhasco de onde se via a água e lá, bem longe no mar encapelado, estava uma foca prateada, imensa e peluda... Sua cabeça era enorme. Seus bigodes lhe caíam até o peito. Seus olhos eram de um amarelo forte.
— Ooooooorukkk.
O menino foi descendo o penhasco de qualquer jeito e bem junto à base tropeçou numa pedra, não, numa trouxa, que rolou de uma fenda na rocha. O cabelo do menino fustigava seu rosto como milhares de açoites de gelo.
— Ooooooorukkk.
O menino abriu a trouxa e a sacudiu: era a pele de foca da sua mãe. Ah, ele sentia seu perfume na pele inteira. E, enquanto mergulhava o rosto na pele de foca e respirava seu cheiro, a alma da mãe penetrava nele como um súbito vento de verão.
— Ah — exclamou ele com alegria e dor, e levou novamente a pele ao rosto.
Mais uma vez, a alma da mãe passou pela dele. — Ah!!! — gritou ele de novo, porque estava sendo impregnado pelo amor infindo da mãe.
E a velha foca prateada ao longe mergulhou lentamente para debaixo d'água.
O menino escalou o penhasco, voltou correndo para casa com a pele de foca voando atrás dele e se jogou para dentro de casa. Sua mãe contemplou o menino e a pele e fechou os olhos, cheia de gratidão pelo fato de os dois estarem em segurança. Ela começou a vestir sua pele de foca.
— Ah, mãe, não! — gritou o menino. Ela apanhou o menino, ajeitou-o debaixo do braço e saiu correndo aos trambolhões na direção do mar revolto.
— Ai, mamãe, não me abandone! — implorava Ooruk. E logo dava para se ver que ela queria ficar com o filho, queria mesmo, mas alguma coisa a chamava, algo que era mais velho do que ele, mais velho do que ela, mais antigo que o próprio tempo.
— Ah, mamãe, não, não, não — choramingou a criança. Ela se voltou para ele com uma expressão de profundo amor nos olhos. Segurou o rosto do menino nas mãos e soprou para dentro dos pulmões do menino seu doce alento, uma vez, duas, três vezes. Depois, com o menino debaixo do braço como uma carga preciosa, ela mergulhou bem fundo no mar e cada vez mais fundo. A mulher-foca e seu filho não tinham dificuldade para respirar debaixo d'água.
Eles nadaram muito para o fundo até que entraram no abrigo subaquático das focas, onde todos os tipos de criaturas estavam jantando e cantando, dançando e conversando, e a enorme foca prateada que havia chamado Ooruk de dentro do mar da noite abraçou o menino e o chamou de neto.
— Como você está se saindo lá em cima, minha filha?

— perguntou a grande foca prateada.
A mulher-foca afastou o olhar e respondeu.
— Magoei um ser humano... um homem que deu tudo para que eu ficasse com ele. Mas não posso voltar para ele, porque, se o fizer, estarei me transformando em prisioneira.
— E o menino? — perguntou a velha foca. — Meu neto?

— Ele estava tão orgulhoso que sua voz tremia.
— Ele tem de voltar, meu pai. Ele não pode ficar aqui

Ainda não chegou o seu tempo de ficar conosco. — Ela chorou. E juntos eles choraram.
E assim passaram-se alguns dias e noites, exatamente sete, período durante o qual voltou o brilho aos cabelos e aos olhos da mulher-foca. Ela adquiriu uma bela cor escura, sua visão se recuperou, seu corpo voltou às formas arredondadas, e ela nadava com agilidade. Chegou, porém, a hora de devolver o menino à terra. Nessa noite, o avô-foca e a bela mãe do menino nadaram com a criança entre eles. Vieram subindo, subindo de volta ao mundo da superfície. Ali eles depositaram Ooruk delicadamente no litoral pedregoso ao luar.
— Estou sempre com você — afiançou-lhe sua mãe. — Basta que você toque algum objeto que eu toquei, minhas varinhas de fogo, minha ulu, faca, minhas esculturas de pedra de focas e lontras, e eu soprarei nos seus pulmões um fôlego especial para que você cante suas canções.
A velha foca prateada e sua filha beijaram o menino muitas vezes. Afinal, elas se afastaram, saíram nadando mar adentro e, com um último olhar para o menino, desapareceram debaixo d'água. E Ooruk, como ainda não era a sua hora, ficou.
Com o passar do tempo, ele cresceu e se tornou um famoso tocador de tambor, cantor e inventor de histórias. Dizia-se que tudo isso decorria do fato de ele, quando menino, ter sobrevivido a ser carregado para o mar pelos enormes espíritos das focas. Agora, nas névoas cinzentas das manhãs, ele às vezes ainda pode ser visto, com seu caiaque atracado, ajoelhado numa certa rocha no mar, parecendo falar com uma certa foca fêmea que freqüentemente se aproxima da orla. Embora muitos tenham tentado caçá-la, sempre fracassaram. Ela é conhecida como Tanqigcaq, a brilhante, a sagrada, e dizem que, apesar de ser foca, seus olhos são capazes de retratar expressões, aquelas expressões sábias, selvagens e amorosas.
Mulheres Que Correm Com Os Lobos
Mitos e Histórias dos Arquétipos da Mulher Selvagem
Clarissa Pinkola Estés
Editora Rocco

A Pele da Mulher Lobo

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Havia um moinho encantado, de modo que ninguém poderia ficar lá perto, porque uma mulher lobo o assombrava. Um dia, um soldado foi para o moinho para dormir. Ele fez uma fogueira na entrada do moinho, subiu ao sótão, e viu um buraco no piso do chão, que dava para a entrada.
A pele está pendurada lá.
A loba entrou e olhou em volta, para ver se podia encontrar algo para comer. Ela não encontrou nada, e depois foi em direção ao fogo, e disse: “Sai pele! Sai pele! Sai pele! Sai pele!”. Ela levantou-se em cima de suas patas traseiras, e sua pele caiu. Ela pegou a pele, e pendurou em um cabide, e fora da pele do lobo surgiu uma moça. A moça foi para perto do fogo, e adormeceu ali.
Ele desceu do sótão, pegou a pele, pregou ela rapidamente na roda do moinho, e em seguida, entrou, gritando por ela, e disse: “Bom dia moça! Como você está?”
Ela começou a gritar, “Venha pele! Venha pele! Venha pele!” Mas a pele não poderia vir, pois estava pregada.
O par se casou e tiveram dois filhos.
Assim que filho mais velho soube que sua mãe era um lobo, disse a ela: “Mamãe! Mamãe! Ouvi dizer que você é um lobo.”
Sua mãe respondeu: “Que absurdo você está falando! Como você pode dizer que sou um lobo?”
O pai das crianças foi um dia lavrar no campo, e seu filho disse: “Papai, deixe-me ir com você.”
Seu pai disse: “Venha”.
Quando eles foram para o campo, o filho perguntou ao pai: “Papai, é verdade que a nossa mãe é um lobo?”
O pai disse: “É.”
O filho perguntou: “E onde está a sua pele?”
Seu pai disse: “Aí está, pregada na roda do moinho.”
Mal o filho chegou em casa, que ele disse uma vez à sua mãe: “Mamãe! Mamãe! Você é um lobo! Eu sei onde é sua pele.”
Sua mãe lhe perguntou: “Onde está a minha pele?”
Ele disse: “Há, na roda do moinho”.
Sua mãe lhe disse: “Obrigado, meu filho, por me salvar.” Então ela foi embora, e nunca foi se ouviu dela”.

Conto eslavo – Fonte: A. H. Wratislaw, Sixty Folk-Tales from Exclusively Slavonic Sources
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Um conto: Zadig

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Zadig era um buscador. Nada para ele importava mais do que encontrar a Verdade e alcançar a liberação dos sentidos. Ainda bastante jovem, amealhava um profundo conhecimento dos textos sagrados da Torá e dedicava todo o seu tempo livre ao estudo do Corão. Quase nunca empenhava energia em passatempos, e a vida social não tinha para ele tanta importância quanto para os outros rapazes da sua idade. Tinha consciência plena de que a vida terrena era breve, e que os dias dos homens passam com a velocidade de uma tempestade no deserto, por isso lhe importava mais juntar tesouros no Céu eterno do que nesta Terra temporária. Num belo dia, Zadig voltava da escola para casa, quando encontrou no caminho um alarde e um princípio de confusão, causados pela presença em sua vila de um famoso homem santo. Dizia-se dele que tinha o poder de curar doentes e confortar os desesperançados com palavras de pura sabedoria. O que alguém tão elevado teria vindo fazer na sua humilde vila? Zadig imediatamente entrou no meio da pequena multidão que se formava em torno de um ancião de vestes claras.
Quando finalmente conseguiu chegar próximo ao centro do tumulto, foi visto pelo velho sábio, que fez um gesto para que as pessoas que se agitavam ao seu redor se afastassem. Então voltou seus olhos na direção de Zadig e o chamou para perto dele. As pessoas da vila, espantadas, abriram espaço para a passagem do rapaz. Zadig se aproximou e o velho lhe passou os braços ao redor do pescoço, dando-lhe um beijo fraternal em cada uma das faces. Então o fitou fixamente no fundo dos olhos e disse: “Acabo de encontrar a razão pela qual sabia que deveria vir até esta vila”. Disse a Zadig que ele tinha um grande futuro pela frente, e que se realmente quisesse e demonstrasse empenho, iria conhecer grandes verdades da vida espiritual antes do que imaginava. Disse ainda que Zadig tinha vindo a este mundo capacitado de certos talentos especiais. Mas lhe fez uma imprescindível advertência: para que essas coisas se cumprissem, Zadig teria que abandonar tudo, naquele exato momento, e segui-lo aonde quer que fosse.
Zadig pensou em sua família, por algum tempo. Pensou nos seus pais, em sua casa, no conforto e em todas coisas materiais que teria que deixar para trás, se resolvesse seguir aquele homem estranho. Mas, olhando nos seus olhos, viu um fogo que o atraía tão fortemente que não pôde resistir. Respondeu que sim, abandonaria tudo e o seguiria a partir daquele momento, pra onde quer que ele fosse. O ancião ainda o advertiu: “Se você quiser realmente me seguir, tem que me dar a sua palavra de que vai confiar em mim, plenamente. Esta é a minha condição. Você confia e vai confiar para sempre em mim?” – Zadig nunca tinha visto aquele homem na sua frente, mas quando fitou novamente sua face, uma certa luz parecia emanar dela, e aquele fogo nos olhos novamente o atraiu tão fortemente que só pôde responder que sim. E o seguiu. Tomaram a estrada sem que Zadig soubesse exatamente para onde estavam indo.
E foi assim que Zadig, a partir daquele dia, tornou-se um viajante que não conhecia o próprio destino, ao lado de um ancião que nunca lhe revelava seu nome. Caminhavam juntos por dias inteiros, sem que Zadig jamais soubesse para onde estavam indo. O ancião só lhe dizia que a razão de estarem caminhando juntos por aquela estrada era que Zadig estava indo ao encontro de uma importante lição que lhe seria necessária para que pudesse depois concluir a sua missão e o seu caminho sozinho. E que fazia parte da sua própria missão conduzir Zadig.
Assim se passaram semanas. Caminhavam sempre os dias inteiros, e ao final do dia descansavam. Às vezes à beira da estrada, sob uma ponte ou uma árvore. Às vezes pediam abrigo em alguma casa ou hospedaria. Nem sempre eram bem recebidos pelos moradores das vilas por onde passavam, mas nunca deixavam de encontrar abrigo para passar a noite, um lugar para se banharem e o alimento necessário para cada dia. Nunca passaram fome, nem nenhuma necessidade realmente básica. Às vezes alguém aparecia do nada com dois pratos de comida quentinha, outras vezes alguém oferecia dinheiro para que pudessem comer em alguma estalagem. Nas noites de chuva sempre havia um teto acolhedor sobre suas cabeças. Conversavam por horas a fio, quase sempre sobre assuntos transcendentais. Zadig fazia perguntas e o ancião respondia, mas as respostas para alguns questionamentos era sempre o silêncio, como quando ele queria saber sobre o destino daquela viagem e a identidade do ancião. O máximo que obtinha como resposta era um suave “tudo tem o seu tempo certo...”.
Mas Zadig sempre aprendia coisas belas, todos os dias. Às vezes, o ancião permanecia mudo por longas horas ou mesmo um dia inteiro, como que num voto de silêncio não declarado. Zadig imaginava que aquilo devia ter uma razão de ser, e como fizera um voto, dizendo que sempre confiaria no seu tutor, quando percebia que o dia não seria de conversa, tentava aproveitar para meditar em silêncio, durante a caminhada, fortalecendo dentro de si os aprendizados recentes. Zadig realmente confiava no ancião, plenamente, e procurava cumprir todas as suas orientações com humildade, muito embora às vezes fosse difícil ou mesmo impossível compreender alguns dos seus atos.
Meses se passaram. Chegou um belo dia em que andaram pela estrada, como sempre, desde o nascer do sol até o entardecer. Mas dessa vez ainda continuaram caminhando, mesmo depois disso, até chegar noite alta. Finalmente, os dois parceiros de viagem chegaram numa vila muito pequena e humilde. Pela primeira vez, nada tinha acontecido, durante todo o dia, para que a fome de ambos fosse saciada. Ninguém lhes trouxera comida ou oferecido dinheiro para que pudessem matar a fome. Estavam em jejum desde o raiar do dia, caminhando sem parar até a noite escura, sem nenhuma refeição. Zadig estava realmente exausto e faminto, e para piorar, este havia sido um daqueles dias em que o ancião não lhe dirigira a palavra nem por uma vez sequer. Algumas vezes até tinha tentado iniciar uma conversa, principalmente com a intenção de perguntar a que horas comeriam, mas em todas fora interrompido por gestos do companheiro pedindo silêncio. Já dentro da pequena vila, o ancião, se comportando como se soubesse exatamente para onde estavam indo, tomou uma pequena ruela de barro, que os levou a um pobre, pequeno e muito velho casebre, que se encontrava quase oculto atrás de um extenso mato alto. O ancião, sem dizer uma palavra, abriu o pequeno portão de madeira que dava acesso ao singelo quintal, entrou e foi bater à porta tosca. Voltando-se para o exausto Zadig, falou pela primeira vez naquele dia inteiro: “Venha cá!” ..
Uma jovem senhora, de aspecto muito sofrido, veio atender. Já era tarde, e o semblante da mulher demonstrava que ela acabara de ser acordada pelas batidas na porta. Mesmo faminto e extenuado, Zadig sentiu-se desconfortável por acordar aquela pobre mulher àquela hora da noite. Mas ela prontamente convidou-os a entrar, e insistiu para que se sentassem à mesa muito simples. Enquanto mexia nos seus utensílios de cozinhar, explicou que ultimamente andava muito triste, pois além de ter ficado viúva um ano antes, recentemente perdera também o filho mais velho. “Meu outro filho, o mais jovem, está já dormindo. Perdoem-no, ele está muito cansado, trabalhou o dia inteiro na lavoura, e amanhã terá que acordar muito cedo”, ela disse. Nem perguntou se estavam com fome, porque isso era óbvio. Enquanto abria as portas do armário da cozinha, Zadig via que estavam praticamente vazios. Ela não tinha quase nada com que servi-los. Mas do pouco que tinha, pegou a última porção de arroz e o último pedaço de carne seca. Juntou tudo numa panela e em pouco tempo preparou uma deliciosa sopa para os viajantes esfalfados. Serviu Zadig e seu companheiro à mesa, com toda gentileza, e tirou do fundo de um pote o último pedaço de pão para acompanhar a sopa. Zadig estava esfomeado e devorou tudo rapidamente, mas sentia uma ponta de remorso por pensar que estavam comendo todo o alimento que aquela pobre mulher provavelmente tinha guardado para o dia seguinte. Depois da refeição, ela contou como havia perdido seu filho mais velho há pouco tempo, assassinado por salteadores no campo, e que desde então se encontrava muito deprimida. Zadig se apiedou profundamente daquela dona tão simples e bondosa. Ele sabia que o sábio ancião poderia reconfortá-la com algumas palavras de luz e de verdade (ele era muito bom nisso), mas ele nada dizia. Num dado momento, Zadig chegou inquiri-lo, para ver se respondia com alguma pérola de sabedoria, algo que a tranqüilizasse ou trouxesse alguma paz para aquela alma sofredora. Mas o outro permanecia em silêncio e assim ficou por todo o tempo que durou o jantar. Lágrimas corriam pelas faces da mulher, enquanto ela contava a história da morte do filho mais jovem. Zadig sempre querendo confortá-la, dizer alguma coisa que suavizasse o seu sofrimento... ele tinha aprendido tantas coisas importantes a respeito da vida, nestes dias de jornada ao lado do velho sábio, coisas sobre vida e morte, sobre o valor do sofrimento nesta vida... Mas ele não conseguia dizer uma palavra. Percebia naquele momento o quanto entender alguma coisa intelectualmente é diferente de compreender algo na prática, numa situação de vida real. Agora que precisava fazer uso de tudo que supostamente aprendera, simplesmente não era capaz de levar qualquer consolo para alguém que tanto precisava. Mas, acima de tudo, estava decepcionado com a atitude do seu tutor, que poderia ter feito algo de bom e nada fez.
Depois do jantar, a senhora pediu licença, dizendo que precisaria se ausentar por alguns instantes. Saiu por uma porta e Zadig pôde ouvir a sua voz abafada, vinda de trás da porta, acordando seu filho. Mesmo com certa dificuldade, era possível ouvir o que dizia: “Levante-se e vamos dormir no chão! Temos visitas!”..
Zadig não podia acreditar. Ele e seu companheiro estavam acostumados a dormir no chão. Qualquer lugar debaixo de um teto seria mais do que suficiente para que passassem uma noite confortável. Olhou para o ancião, esperando que ele impedisse aquele absurdo. Nada. Insistiu com ele para que não deixasse a mulher desalojar o filho da própria cama, mas ele o encarou com um olhar frio e respondeu: “Eu quero dormir numa cama macia, hoje. Você não?” – Logo a mulher voltou e disse: “Agora vou preparar um banho quente para vocês e vou me retirar, se não precisarem mais de mim. Neste quarto há uma cama pronta para cada um de vocês. Eu e meu filho dormiremos no chão esta noite. Não há nenhum problema com isso, estamos acostumados a fazer isso sempre que algum peregrino passa por aqui. Sabemos que são homens de Deus, por isso temos prazer em servi-los”. Zadig ainda esperava que seu companheiro impedisse aquela pobre e sofrida mulher de se sacrificar pelo conforto deles. Esperava que dissesse alguma coisa, mas ele nada disse. Apenas assentiu com a cabeça, aceitando todas as gentilezas. Zadig começava a se sentir muito confuso com tudo aquilo. Quando já estavam deitados, ainda perguntou o porquê do comportando estranho, mas só obteve uma resposta: “Apenas observe e procure aprender”.
No meio da noite, Zadig acordou com um ruído estranho vindo de um outro cômodo da casa. Pela luz da lua que passava por uma fresta da janela, pôde observar que o ancião não estava no leito ao seu lado. Achou estranho, levantou-se e, sem fazer nenhum ruído, foi até a porta. Ela não estava fechada, havia uma vão por onde ele podia ver o que acontecia do outro lado. A janela deste outro aposento estava aberta e a luz do luar iluminava bem o ambiente. Assim, Zadig pôde ver claramente a viúva e seu jovem filho dormindo no chão, abraçados, em cima de um velho cobertor. Vendo aquela cena se sentiu envergonhado, uma vez mais, por estar confortavelmente acomodado numa cama. Seu tutor o obrigara a aceitar a hospitalidade da mulher e ele o fez, esperando que houvesse um bom motivo para aquilo. Então, desviando o olhar, viu o seu tutor no outro canto do quarto, remexendo dentro de um velho armário. O que estaria fazendo, vasculhando sem autorização os pertences alheios? Ele se comportava como um ladrão, furtivamente, sem fazer barulho. Depois de algum tempo, encontrou um pequeno e velho baú de madeira escondido cuidadosamente atrás de outros objetos. Afastou-os e retirou cuidadosamente o baú, com as duas mãos. Colocou-o devagar sobre uma mesa e o abriu. Logo em seguida, retirou todo o seu conteúdo e espalhou sobre a mesa. Eram algumas pedras preciosas, que a viúva guardava. Provavelmente as economias de uma vida inteira ou a herança deixada por seu falecido marido. E então, Zadig quase não pôde acreditar no que seus olhos viram: O ancião recolheu todas as pedras que estavam dentro do baú e as guardou dentro de uma pequena trouxa que fez com um pano. Logo a seguir, guardou o baú no mesmo lugar onde o encontrara, escondeu a trouxa de pano entre suas vestes e se voltou na direção do quarto, sempre furtivamente. Zadig correu de volta para a cama, se deitou e se cobriu, fingindo que estava dormindo. Mas viu claramente o seu mestre entrar, abrir sua bolsa e guardar lá dentro a o produto do furto que acabara de cometer!
Zadig não podia acreditar naquilo! Estivera enganado o tempo todo a respeito de seu velho guru? Seria ele um enganador, apenas um ladrão muito hábil, que se fazia valer dos seus conhecimentos místicos para lesar o próximo? Um verdadeiro lobo em pele de cordeiro? Seria possível que em todo o tempo que permaneceram juntos ele não tivesse feito outra coisa senão deslumbrá-lo com belas palavras e falsos ensinamentos espirituais?
Amanheceu o dia. Zadig despertou. Ele não tinha conseguido dormir direito, mas o ancião continuava tranqüilamente deitado em sua cama, dormindo profundamente. Sua consciência parecia tranqüila como a de um bebê! Zadig sentia um misto de indignação e perturbação. Mas não queria aceitar que tinha abandonado sua família, a escola, o convívio dos amigos, tudo enfim, para seguir um patife travestido de sábio. Levantou-se, foi ao lavatório fazer sua higiene matinal. A dona da casa não estava, tinha saído cedo, ela também trabalhava no campo. Ao passar pela cozinha, viu que ela tinha guardado o último toco de pão que sobrara da noite anterior para que ele e o (falso?) “homem santo” pudessem fazer o desjejum. Zadig sentia-se profundamente confuso, sem saber o que fazer. Mas resolveu consigo mesmo que não diria nada ao ancião, porque não conseguia conceber que ele realmente levaria a idéia de roubar a pobre mulher adiante. Iria esperar até o fim, para ver onde tudo daria. Sentia o seu estômago se revirar, mas mesmo assim ainda se lembrava da promessa que tinha feito: confiaria no seu tutor até o fim.
O ancião acordou, lavou-se e voltou a cozinha. Comeu o último pedaço de pão sem oferecer a Zadig e sem se importar se a pobre viúva ou seu filho teriam o que comer naquele dia. Depois chamou Zadig para retomarem a estrada, dizendo que o seu aprendizado estava prestes a se completar. Zadig perguntou se ele tinha certeza de que não tinha nada a fazer antes de partirem, querendo dar uma chance ao ancião de se arrepender do seu ato execrável. Mas este o olhou tranqüilamente e respondeu com apenas um sonoro e tranqüilo “Óbvio que não”. Zadig quase não podia mais se conter, mas permaneceu em silêncio e voltou a seguir seu tutor. Quando saíram do velho casebre, o velho se dirigiu até uma pequena despensa que havia do lado de fora e pegou um recipiente que estava cheio da querosene usada para acender os lampiões. Sem dizer palavra, começou a espalhar o combustível ao redor de toda a casinha e nas paredes ressecadas. Os olhos de Zadig se arregalaram quando viram o ancião riscar um fósforo e atear fogo à humilde residência da viúva!
Zadig gritou, protestou, ele não podia acreditar no que estava acontecendo. As chamas já altas envolviam toda a casa, quando ele correu atrás do ancião, que já andava longe, se adiantando no caminho de volta à estrada. “O que acabou de fazer? O que está acontecendo, o senhor poderia me explicar?” – O velho o segurou forte pelos ombros, com um vigor incomum para um homem daquela idade, e olhando fundo nos seus olhos, perguntou: “Lembra-se do que você me prometeu, quando resolveu me seguir?” – e virando as costas retomou seu caminho para a estrada, sem dizer mais nada. Zadig estava transtornado, completamente confuso. E não saberia nem explicar o porquê, mas seguiu mais uma vez o ancião. Sem saber que o mais surpreendente ainda estava por vir.
O caminho para a estrada passava por uma velha e estreita ponte, sobre um rio de águas impetuosas. Zadig e o ancião estavam atravessando, e a cabeça do primeiro parecia girar, tão confuso ele estava com os acontecimentos recentes. Neste momento, quando estavam bem no meio da ponte, o ancião parou e pediu a Zadig que também parasse por um momento. Será que ele finalmente iria explicar o que estava acontecendo? Mas não haveria tempo pra isso. Logo a seguir, ouviu-se um grito, e do outro lado da ponte vinha correndo, desesperado, o filho mais jovem da pobre viúva. Quando os viu, perguntou o que estava acontecendo, disse que alguém o informara que sua casa estava pegando fogo. Zadig não soube o que responder, e o ancião não disse nada. O rapaz então retomou sua corrida, mas quando ia passando ao lado do velho, este o empurrou com um gesto vigoroso, para fora da ponte! O pobre rapaz despencou da ponte, gritando - em poucos segundos foi tragado pelas águas violentas, sendo arrastado até sucumbir às profundezas e dele não restar mais nenhum sinal. Tudo aconteceu tão rápido que Zadig não pôde fazer nada a não ser gritar, além disso ele não sabia nadar, e se tivesse se atirado naquelas águas terríveis para tentar salvar o garoto, não poderia ter feito absolutamente nada.
Esta havia sido a última gota d’água! Zadig entregou-se a uma fúria incontrolável, e não tentou mais conter uma reação violenta. Avançou para cima do seu ex-tutor, desferiu-lhe dois violentos socos na face, e quando este caiu aos seus pés, desabafou toda sua angústia em altos brados: “Você é o mais falso dos mestres! Amaldiçôo o dia em que o conheci, e maldito o dia em que resolvi segui-lo! Você não passa de um ladrão desprezível! Tudo que têm são palavras vazias! Aquela pobre mulher nos recebeu com amor e atenção, nos alimentou com as suas últimas provisões. Desalojou da cama o próprio filho, que era a última coisa que ela tinha nesta vida, e ela mesma abriu mão do próprio leito para nos dar conforto, e o que você fez? Como retribuiu a esta pobre viúva? Roubou-a vergonhosamente na calada da noite, tomou dela a única coisa de valor que ainda possuía, queimou a sua casa, e agora acabou de assassinar o seu único filho?? Eu o desprezo! Eu o odeio! Exijo que suma da minha frente, antes que eu acabe com a sua vida! - Zadig falava atropelando umas palavras com outras, sem respirar, o rosto distorcido pelo ódio e revolta - Mas não pense que não vou denunciá-lo às autoridades! Em pouco tempo você estará preso, e eu espero que seja executado ou que passe os seus últimos dias apodrecendo sua carcaça velha numa cela imunda!!”..
O ancião limpou o sangue que começava a escorrer do seu lábio inferior e se levantou tranqüilamente. Em seu rosto vermelho aparecia um sorriso, quando ele começou a falar: “ Nunca confie em ninguém, e às vezes nem mesmo em si mesmo. Está escrito: ‘Maldito é o homem que confia no homem’. Peça orientação aos Céus para saber o que é bom e o que é mau, e viva somente segundo a sua consciência e fazendo uso do seu discernimento em qualquer situação. De repente, a promessa que você me fez já não tinha a menor importância, diante do que você viu bem diante dos seus olhos, não é? Nossa jornada, juntos, está completa. Você acaba de aprender hoje a sua primeira real lição, porque a viveu na prática e a sentiu na pele”. Sim, aquilo fazia sentido, mas Zadig não podia acreditar que aquele velho insano tinha roubado e incendiado a casa de uma pobre viúva, e, além disso, assassinado uma pessoa apenas para lhe ensinar uma lição! Isso não fazia nenhum sentido! Mas o ancião continuou falando: “Eis a sua lição: Não julgar nunca as intenções de Deus! Não pretender jamais trocar a confiança na Sua Sabedoria pelo grosseiro intelecto humano! Frágil mortal! Pare de questionar O que você deveria reverenciar!”...
Zadig ainda não entendia nada, e ainda sentia vontade de socar seu antigo professor. Mas subitamente, percebeu, estarrecido, que as formas do ancião estavam mudando. Sua aparência e as formas do seu corpo se alteravam. Sua pele começava a se deformar e expandir em todos os lados, e todo seu corpo se tornava uma massa desfigurada, que inflou até que o que antes fora pele se rompesse e se rasgasse em muitas partes, que caíram por terra, se tornando em cinzas. Zadig olhou e viu o que havia por baixo da aparência do ancião: um ser maravilhoso, de pele reluzente como metal polido e asas flamejantes! Sua estatura era grande e seu semblante era terrível como o de um ser para o qual tempo e espaço significam nada. Zadig caiu prostrado, aterrorizado. Então aquele que um dia se parecera com um velho voltou a falar, agora com uma voz que ressoava como um estrondo:
“Você não me reconhece? Eu sou o anjo da morte! Eu cumpro os desígnios do Altíssimo. Fui enviado para cumprir uma missão especial, porque com ela alguém importante deveria aprender algo fundamental. Este alguém é você. Uma grande missão também o aguarda neste mundo, mas você não será capaz de cumprí-la se não tiver aprendido a lição que eu lhe trouxe. Vou lhe explicar tudo o que você pensa que viu, para que finalmente entenda:
A mulher que nos recebeu tem um futuro luminoso, que nunca poderia se cumprir sem a minha intervenção, que é o cumprimento da Vontade de Deus. Antes da nossa chegada, ela precisou sofrer, porque só assim saberia estar apta a valorizar devidamente e saber desfrutar das grandes bênçãos que irá receber. Ela perdeu seu marido, violento e infiel, que só lhe deu desgostos. Quanto ao filho mais velho, saiba que o seu assassino não foi um salteador, mas seu próprio irmão mais novo, por inveja - o mesmo que eu acabei de precipitar desta ponte, cumprindo a minha tarefa de ceifar sua vida. Você me viu empurrá-lo, mas todos entenderão o ocorrido como um acidente. E na verdade, foi isto que realmente aconteceu, porque eu não existo no seu mundo, e assim todas as minhas ações são como acidentes ou reveses naturais da vida. Esse rapaz cruel já tinha decidido assassinar, nesta manhã, também a sua própria mãe, para ficar com a propriedade e com as pequenas pedras preciosas que ela guardava e eu escondi esta noite. Quando chegamos, ele pensou em aproveitar a nossa presença para culpar-nos pelo crime. Só por não ter encontrado as pedras no lugar de sempre foi que resolveu adiar seus planos. Tencionava antes descobrir onde sua mãe tinha guardado as pedras, para depois concretizar seu plano. As pedras encontram-se neste exato momento no meio das cinzas da casa incendiada, e serão ainda hoje encontradas pela dona. Mas já não serão mais tão importantes, porque com o incêndio da velha casa a viúva vai descobrir algo que se encontrava escondido, enterrado sob a sua fundação há muitos anos: um tesouro que foi ali colocado pelo antigo proprietário, antes de falecer. Somente com o incêndio total do velho casebre é que ela poderia encontrar o tesouro. Mas não é só. Também por causa deste incêndio, virão algumas pessoas do vilarejo vizinho, por curiosidade, e entre elas um homem solteiro, gentil e atencioso, que vai conhecer a viúva e em breve se tornará seu marido. Eles viverão felizes e terão dois filhos bons e atenciosos. Por fim, o rapaz que você viu cair da ponte não morreu. Ele está inconsciente agora, mas será transportado por seu próprio anjo de guarda para um lugar distante, onde vai cumprir o seu destino. Um dia ele voltará para confessar o seu crime e se desculpar com sua mãe”.
Zadig estava ainda atordoado, mas agora a serenidade finalmente começava a surgir em seu espírito. O anjo perguntou: ”O que você aprendeu?” E Zadig respondeu: “Esta foi a minha lição: Nem tudo é o que parece. Nunca mais duvidarei da perfeição dos desígnios divinos. Nunca vou querer julgar com medidas humanas as Razões e a Perfeição de Deus. Cada pequeno acontecimento tem um excelente motivo, mesmo que eu não compreenda, em princípio”.
O anjo sorriu, mostrando-se satisfeito, e concluiu: “Lembre-se sempre, esta é a maldição do tempo, fazer com que os homens não percebam o espaço entre causa e conseqüência, ação e reação. Agora volte para a sua casa e se esforce para aprender sempre mais, porque o seu tempo ainda não é chegado. Meu nome é Yesod, e no dia da sua libertação, voltaremos a nos encontrar” . Dizendo isto, o anjo da morte elevou-se ao céu, até acima das nuvens, desaparecendo num clarão fulgurante.





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