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Venda Nova, um dos distritos de Belo Horizonte, Minas Gerais, tem sua sede localizada praticamente às margens da lagoa da Pampulha, um dos cartões postais da bela e acolhedora capital dos mineiros. Com uma população de 245.334 habitantes (126.632 mulheres e 118.702 homens), segundo o Censo Demográfico 2000, do IBGE, ela completa agora 297 anos de idade, pois segundo a tradição, teria começado a ser povoada em 1711, inicialmente como pouso de tropeiros que passavam por ali com gado e mercadorias trazidas da Bahia pelo rio São Francisco, e depois rio das Velhas, para abastecer as minas de ouro existentes na vila de Sabará.
Não faz muito tempo foram localizados documentos datados de 1781, nos quais era solicitada autorização para comércio de secos e molhados junto aos tropeiros que passavam por ali. Por outros dados históricos, de 1784, fica-se sabendo que àquela altura o lugar abrigava 2.300 habitantes, e que mais adiante, em 1787, eles pediam a construção de uma capela na região. O cronista Benvindo Lima (1910-1950), registrou a história contemporânea da capital mineira em um livro intitulado “Canteiro de Saudades”, onde ele diz que antigamente o povoado de Venda Nova era conhecido por outros nomes, como Santo Antônio dos Clementes e Santo Antônio do Barranco, dados pelos primeiros moradores. Até que certo dia um português que apareceu por lá abriu uma loja, dessas a que o povo do interior chama de venda, e nela o homem negociava de tudo, o que era pouco comum na época. O estabelecimento era bem sortido, limpo e organizado, e por isso foi ganhando fama, conquistando fregueses que vinham de longe, de todas as partes, atraídos pelas vantagens que a venda nova oferecia.
Uma das principais vias de acesso em Venda Nova é a Avenida Vilarinho que liga a região ao centro da capital mineira e ao município vizinho de Ribeirão das Neves, e na qual são realizados os desfiles comemorativos do dia 7 de setembro, presenciados por milhares de pessoas. Por lá sempre funcionaram muitas casas de dança, como forrós, gafieiras e bailes de todo tipo, aonde os jovens se encontravam para se divertir nos finais de semana. Foi numa delas (sem que ninguém saiba dizer com exatidão qual tenha sido), que num sábado de janeiro, início dos anos 90, teria acontecido uma história que acabou virando lenda. Diz-se que no fim da noite desse sábado tumultuado, quase início da madrugada de domingo, um rapaz chegou à danceteria não identificada, apreciou o ambiente por alguns minutos, e depois convidou uma das moças para dançar. Na opinião dos que o observaram com mais atenção, ele era simpático, bem apessoado, vestia boas roupas, tinha uma boina na cabeça, e o mais importante, dançava como poucos conseguiriam fazê-lo, qualquer que fosse o ritmo tocado, do samba à bossa nova, do funk ao bolero.
Aparentemente, o casal de dançarinos se completava, e por isso eles deslizavam pelo pequeno salão com uma leveza e graça que todos admiravam, uma música após outra, sem se darem conta de que o tempo corria célere, a meia-noite tinha ficado para trás, e o relógio já marcava mais de uma hora da manhã do novo dia. Foi quando, sabe-se lá por qual motivo, a boina do rapaz caiu ao chão, e ele, ao perceber o que acontecera, levou rapidamente a mão esquerda ao alto da cabeça, como se desejasse esconder alguma coisa, mas em vão, porque apesar da presteza do seu movimento, a moça pode perceber que bem no alto da fronte, meio escondidos pela farta e negra cabeleira que possuía, o moço ostentava dois chifres escuros e pontiagudos. A moça gritou apavorada, sua voz ecoou estridente pelo salão, e com isso os músicos pararam de tocar na mesma hora, os dançarinos se imobilizaram, os demais presentes emudeceram de imediato, assustados com aquele berro. Daí, todos se voltaram interrogativos para a desnorteada criatura que permanecia estática no meio da pista, olhos esbugalhados, sozinha, completamente sozinha, porque seu companheiro havia desaparecido como num passe de mágica. No ar, segundo os que se aventuraram a contar o que acontecera, pairava um leve cheiro de enxofre.
Desse momento em diante, e sem trocadilho, foi um pandemônio, porque ninguém falava coisa com coisa. Os boatos se espalharam rapidamente através dos falastrões, alguns jurando que tinham visto as patas de bode do homem enquanto ele fugia, enquanto outros afirmavam que tudo não passara de uma fraude, que na verdade fora um rapaz chamado Alex que usara uma máscara de borracha para fazer a brincadeira. A notícia se espalhou rapidamente no bairro, chegou às rádios e TVs da cidade, que imediatamente enviaram seus repórteres para cobertura do acontecido. Um deles, Mozahir Salomão, atualmente coordenador do curso de jornalismo da PUC Minas, relata em seu artigo “Tempo de crises - Tempo de sinais”, que “Como repórter da então Rádio Globo, lembro-me de pautas que o repórter até pode achar esdrúxulas, mas acaba fazendo, mesmo porque está ‘todo mundo fazendo’. Fui, prefiro dizer mandaram-me, a Venda Nova (região norte de Belo Horizonte) atrás do Capeta do Vilarinho - que segundo testemunhas era o diabo em pessoa que aparecia nos bailes da Quadra do Vilarinho... casas onde roupas se incendiavam espontaneamente”.
Até música foi feita para narrar o episódio. Uma rádio de Belo Horizonte passou a transmitir várias vezes, durante o dia, um funk em homenagem ao suposto capeta, cujo refrão repetia: só quero dançar... / só quero dançar... / só mais um pouquinho! / só quero dançar... / só quero dançar... / lá no vilarinho! O autor da melodia, segundo consta, é um humorista e radialista mineiro chamado Pascoal. Outro que se manifestou a respeito foi Lacarmélio Alfeu de Araújo (na ilustração inicial), folclórico artista de Belo Horizonte que escreveu sobre o Capeta do Vilarinho em uma das edições de sua revista Celton, nome de um super-herói sem poderes especiais, que vive em Belo Horizonte.
Se essa história é verdadeira ou mentirosa, ninguém sabe, e por isso ela não pode ser nem confirmada, nem desmentida. O fato é que a lenda do Capeta de Vilarinho permanece bem viva na memória de muita gente, dando mais força, por assim dizer, a afirmativa feita por alguém, algum dia, de que “eu não acredito em bruxas! Mas que elas existem, existem...”
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