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HOJE ALGUMAS FRASES ME DEFINEM: Clarice Lispector "Os contos de fadas são assim. Uma manhã, a gente acorda. E diz: "Era só um conto de fadas"... Mas no fundo, não estamos sorrindo. Sabemos muito bem que os contos de fadas são a única verdade da vida." Antoine de Saint-Exupéry. Contando Histórias e restaurando Almas."Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." Fernando Pessoa

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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012


Reminiscências de um Pé de Jabuticabas

  




























































































































































































































Com Açúcar e Com Afeto
Vivencias de um Pé de Jabuticabas
(Geleia de Jabuticaba) 

Nice Baêta
Época de Férias... 
De casa da Vó Constança... 
Tempo de jabuticaba... De Geléia... 
De ouvir e imaginar muitas Histórias. 
A criançada chegava correndo feito 
bando de andorinhas... 

-A Brasília garrou no atoleiro perto boqueirão... 
-A mãe ta toda elaminada com o 
Fernando nos braços. 
E lá se vai o tio Tamiro com 
a junta de bois puxar o carro. 
Quando finalmente estiava. 
As jabuticabas já estavam no ponto. 

A avó e os netos subiam no pé de jabuticaba. 
Chupavam muitas... 
Riam muito... 
Mais riam do que chupavam... 

Ela contava histórias de assombração... 
De escravos que arrastavam correntes... 
Dizia que criança que mexe 
com fogo mija na cama. 
-E mija mesmo... 
Disto eu sou testemunha. 

Dizia pra gente não andar 
perto da terra de arroz... 
Dentro da propriedade do senhor Modesto. 
Porque ele tinha parte com o coisa ruim. 
E estava chocando um filhote
 de baixo do sovaco. 

A gente ia escondido na esperança de ver... 
Um dia fui pescar escondido e
 quase fui mordida por uma cascavel. 
Mas dei um pulo de banda e 
raspei a cabeça da bicha. 
Fiz o sinal da cruz e sai correndo. 
Devia ser um dos guardas do capeta. 

E claro que não falei nada. 
Minha vó também gostava 
do pé de marmelo apesar 
dele não dar muito fruto. 

De tardinha escolhia as jabuticabas, 
lavava, espremia, 
coava na pereira de palha. 
Colocava no tacho de cobre antes lavado
 com limão e sal, pra tirar o sinabre. 
Colocava açúcar e fervia. 
Mexia e era só uma questão de tempo. 
Enquanto esperava pegar o ponto. 

Enquanto isto ela cantava lindas canções. 
As minhas preferidas eram estas: 

Ai eu entrei na roda... Eu entrei na roda dança 
Eu não sei como se dança... 
Eu não sei dançar 
Sete e sete são quatorze... 
Com mais sete vinte-e-um 
Tenho sete namorados 
E não gosto de nenhum. 
* * * 
Se essa rua fosse minha 
Eu mandava 
Eu mandava ladrilhar 
Com pedrinhas 
Com pedrinhas de brilhante 
Só pra ver 
Só pro meu amor passar 

Nessa rua 
Nessa rua tem um bosque 
Que se chama 
Que se chama solidão 
Dentro dele 
Dentro dele mora um anjo 
Que roubou 
Que roubou meu coração 

Se eu roubei 
Se eu roubei teu coração 
Tu roubaste 
Tu roubaste o meu também 
Se eu roubei 
Se eu roubei teu coração 
Foi porque 
Só porque te quero bem. 

Hoje não existem mais 
pés de jabuticabas e 
o tacho de cobre furou... 
Quando a saudade dói e 
eu quero me lembrar de você vó. 
Às vezes me arisco a fazer a geléia... 
Nunca vai sair como a sua. 
Eu não sei como cantar as
 canções como você cantava, 
Não sei falar de mula sem 
cabeça com tanta propriedade... 
Não sei como se pega um saci. 
Mas quando o doce fica pronto... 
Eu consigo sentir na boca 
o paladar do seu doce. 
Como se você estivesse ali do meu lado. 

Beijos de sua neta que morre de saudades... 
Mas um dia vai te encontrar... 
Em algum tempo... 
Em algum lugar...
(Texto de Helenice Baêta)

Licor de Jabuticaba Caseiro




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Ingredientes

4 kilos de jabuticaba

lavadas

2 kilos de açucar

4 litros de pinga


Modo de Preparo:

Em um recepiente amasse
as jabuticabas,coloque

o açucar e a

pinga.

Deixe descansar por 30 dias.

Coar em uma toalha branca limpa.

Colocar em garrafas.

Deixe descansar mais 60 dias

 para consumir.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

NOSSA SENHORA DE GUADALUPE









Num sábado, no ano de 1531, a Virgem Santíssima apareceu a um indígena que, de seu lugarejo, caminhava para a cidade do México a fim de participar da catequese e da Santa Missa enquanto estava na colina de Tepeyac, perto da capital. Este índio convertido chamava-se Juan Diego (canonizado pelo Papa João Paulo II em 2002). 

Nossa Senhora disse então a Juan Diego que fosse até o bispo e lhe pedisse que naquele lugar fosse construído um santuário para a honra e glória de Deus. 

O bispo local, usando de prudência, pediu um sinal da Virgem ao indígena que, somente na terceira aparição, foi concedido. Isso ocorreu quando Juan Diego buscava um sacerdote para o tio doente: "Escute, meu filho, não há nada que temer, não fique preocupado nem assustado; não tema esta doença, nem outro qualquer dissabor ou aflição. Não estou eu aqui, a seu lado? Eu sou a sua Mãe dadivosa. Acaso não o escolhi para mim e o tomei aos meus cuidados? Que deseja mais do que isto? Não permita que nada o aflija e o perturbe. Quanto à doença do seu tio, ela não é mortal. Eu lhe peço, acredite agora mesmo, porque ele já está curado. Filho querido, essas rosas são o sinal que você vai levar ao Bispo. Diga-lhe em meu nome que, nessas rosas, ele verá minha vontade e a cumprirá. Você é meu embaixador e merece a minha confiança. Quando chegar diante dele, desdobre a sua "tilma" (manto) e mostre-lhe o que carrega, porém, só em sua presença. Diga-lhe tudo o que viu e ouviu, nada omita..."

O prelado viu não somente as rosas, mas o milagre da imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, pintada prodigiosamente no manto do humilde indígena. Ele levou o manto com a imagem da Santíssima Virgem para a capela, e ali, em meio às lágrimas, pediu perdão a Nossa Senhora. Era o dia 12 de dezembro de 1531. 

Uma linda confirmação deu-se quando Juan Diego fora visitar o seu tio, que sadio narrou:"Eu também a vi. Ela veio a esta casa e falou a mim. Disse-me também que desejava a construção de um templo na colina de Tepeyac e que sua imagem seria chamada de 'Santa Maria de Guadalupe', embora não tenha explicado o porquê". Diante de tudo isso muitos se converteram e o santuário foi construído.

O grande milagre de Nossa Senhora de Guadalupe é a sua própria imagem. O tecido, feito de cacto, não dura mais de 20 anos e este já existe há mais de quatro séculos e meio. Durante 16 anos, a tela esteve totalmente desprotegida, sendo que a imagem nunca foi retocada e até hoje os peritos em pintura e química não encontraram na tela nenhum sinal de corrupção. 

No ano de 1971, alguns peritos inadvertidamente deixaram cair ácido nítrico sobre toda a pintura. E nem a força de um ácido tão corrosivo estragou ou manchou a imagem. Com a invenção e ampliação da fotografia descobriu-se que, assim como a figura das pessoas com as quais falamos se reflete em nossos olhos, da mesma forma a figura de Juan Diego, do referido bispo e do intérprete se refletiu e ficou gravada nos olhos do quadro de Nossa Senhora. Cientistas americanos chegaram à conclusão de que estas três figuras estampadas nos olhos de Nossa Senhora não são pintura, mas imagens gravadas nos olhos de uma pessoa viva. 

Declarou o Papa Bento XIV, em 1754: "Nela tudo é milagroso: uma Imagem que provém de flores colhidas num terreno totalmente estéril, no qual só podem crescer espinheiros... uma Imagem estampada numa tela tão rala que através dela pode se enxergar o povo e a nave da Igreja... Deus não agiu assim com nenhuma outra nação". 

Coroada em 1875 durante o Pontificado de Leão XIII, Nossa Senhora de Guadalupe foi declarada "Padroeira de toda a América" pelo Papa Pio XII no dia 12 de outubro de 1945. 

No dia 27 de janeiro de 1979, durante sua viagem apostólica ao México, o Papa João Paulo II visitou o Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe e consagrou a Mãe Santíssima toda a América Latina, da qual a Virgem de Guadalupe é Padroeira. 


Nossa Senhora de Guadalupe, rogai por nós

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Sir Gawain e Lady Regnell




Sir Gawain e Lady Regnell

Um dia, o rei Artur estava caçando um grande veado branco nas cercanias do bosque de carvalhos quando ergueu os olhos e se viu confrontado por um chefe guerreiro alto forte, brandindo a espada e dando a impressão de que ia abater o rei ali mesmo. Este homem era Groiner, que disse estar querendo vingar-se pela perda de parte de suas terras ao norte para Artur. Como Artur estava desarmado, Sir Gromer demonstrou compaixão e deu ao rei uma chance de salvar sua vida.
 
Gromer lançou um desafio: o rei tinha um ano para voltar desarmado àquele lugar com a resposta para a pergunta: O que as mulheres desejam acima de tudo?
 
Se Artur respondesse à pergunta corretamente, sua vida seria poupada; caso contrário, sua cabeça seria cortada.
 
Quase um ano se passou e Artur e Gawain reuniram muitas respostas, mas nenhuma soava verdadeira. O dia marcado estava se aproximando, e numa manhã Artur saiu cavalgando sozinho no meio das urzes roxas e dos tojos dourados, totalmente absorto em seus problemas. Ao aproximar-se do bosque de carvalhos, viu-se subitamente diante de uma mulher grande e grotesca, coberta de verrugas e quase tão larga quanto alta.
 
Os olhos dela o contemplaram destemidamente e ela declarou:
 
— O senhor é Artur, o rei, e dentro de dois dias terá que se encontrar com Sir Gromer com uma resposta para uma pergunta.
 
— É verdade — respondeu Artur hesitante —, mas como é que sabe disso?
 
— Eu sou Lady Ragnell e Sir Gromer é meu meio-irmão. O senhor não sabe a resposta certa, sabe?
 
— Tenho muitas respostas, e não sei o que a senhora tem a ver com isto — respondeu Artur, puxando as rédeas para se virar e voltar para casa.
 
— O senhor não sabe a resposta certa — disse Ragnell com uma confiança que deixou Artur desanimado. — Eu tenho a resposta.
 
Artur virou-se e saltou do cavalo.
 
— Diga-me a resposta e eu lhe darei um saco cheio de ouro.
 
— Não preciso de seu ouro - respondeu Ragnell calmamente.
 
— Bobagem, mulher, você poderá comprar o que quiser com ele! O que você quer, então? Jóias? Terras? O que quiser eu pagarei. Isto é, se você souber a resposta certa.
 
— Eu sei a resposta. Isto eu posso garantir — respondeu Ragnell. Após uma pequena pausa, ela acrescentou: — Em troca, exijo que Sir Gawain se torne meu marido.
 
Artur abriu a boca de espanto.
 
— Impossível! — gritou. — Você pede o impossível, mulher. Eu não posso dar-lhe o meu sobrinho. Ele é dono de si mesmo, não pertence a mim para que eu o dê.
 
— Eu não pedi ao senhor que me desse o cavaleiro Gawain. Se Gawain concordar em se casar comigo por livre e espontânea vontade, então eu lhe direi a resposta. São estas as minhas condições.
 
— Condições! Que direito você tem de estabelecer condições para mim é impossível! Eu jamais poderia apresentar esta proposta para ele.
 
Ragnell ficou olhando calmamente para o rei e disse apenas:
 
— Se mudar de idéia, estarei aqui amanhã. — E desapareceu no bosque.
 
Abalado com aquele estranho encontro, Artur cavalgou lentamente de volta para casa pensando consigo mesmo que jamais poderia falar daquele assunto com Gawain. Aquela mulher repugnante! Como ousava pedir para se casar com o melhor dos cavaleiros! Mas o ar da tarde estava ameno e o encontro fatídico com Gromer deixou Artur impressionado. Ao retornar ao castelo, Artur viu-se contando ao sobrinho sobre sua aventura, e concluiu:
 
— Ela sabe a resposta, eu tenho certeza disso, mas eu não pretendia contar nada a você.
 
Gawain sorriu docemente, sem saber ainda qual era a proposta de Ragnell.
 
— Mas esta é uma boa notícia, tio. Por que o senhor está tão desanimado?
 
Evitando encarar o sobrinho, o rei contou qual era a exigência de Ragnell, junto com uma descrição detalhada de seu rosto grotesco, de sua pele cheia de verrugas e seu tamanho avantajado.
 
— Que bom que eu posso salvar a sua vida! — respondeu Gawain imediatamente. Sem dar ouvidos aos protestos do tio, Gawain declarou: — É minha escolha e minha decisão. Vou voltar lá com o senhor amanhã e concordar com o casamento, desde que a resposta dela salve a sua vida.
 
Bem cedo na manhã seguinte Gawain saiu a cavalo com Artur para encontrar Lady Ragnell. Mesmo vendo-a cara a cara, Gawain manteve-se inabalável em sua decisão. A proposta dela foi aceita e Gawain fez uma reverência graciosa para ela.
 
— Se amanhã a sua resposta salvar a vida do rei, nós nos casaremos.
 
Na manhã fatídica, Gawain cavalgou até metade do caminho com Artur, que assegurou ao cavaleiro que iria tentar todas as outras respostas primeiro. O guerreiro alto e forte estava esperando por Artur, com sua espada brilhando ao sol. À medida que Artur ia recitando uma resposta depois da outra, Gromer gritava:
 
— Não! Não! Não! — até que finalmente ele ergueu a espada acima da cabeça.
 
— Espere! — gritou o rei. — Eu tenho mais uma resposta. O que uma mulher deseja acima de tudo é o poder de soberania, o direito de exercer o seu livre-arbítrio.
 
Com uma imprecação de raiva, Gromer jogou a espada no chão.
 
— Você não descobriu a resposta sozinho! Minha maldita meia-irmã foi quem lhe contou! Vou decepar a cabeça dela. Vou atravessá-la com a minha espada! — Virou-se e voltou para a floresta, deixando uma torrente de imprecações atrás de si.
 
Artur voltou para o local onde Gawain esperava junto de Lady Ragnell. Os três cavalgaram de volta para o castelo em silêncio. Só Ragnell parecia bem humorada. A notícia de que iria ocorrer um estranho casamento entre uma megera horrorosa e o magnífico Gawain espalhou-se rapidamente pelo castelo. Ninguém conseguia imaginar o que havia convencido Gawain a se casar com aquela criatura.
 
Alguns achavam que ela devia possuir grandes terras e propriedades. Outros acreditavam que ela devia ter usado alguma magia secreta. A maioria estava simplesmente estarrecida com o destino do pobre Gawain.
 
O rei Artur falou reservadamente com o sobrinho.
 
— Nós poderíamos propor um adiamento — disse ele.
 
— Dei a ela a minha palavra, tio. O senhor gostaria que eu quebrasse uma promessa? — respondeu Gawain.
 
Assim, o casamento aconteceu na abadia, e a estranha festa de casamento foi assistida por toda a corte. Durante todo aquele longo dia e aquela longa noite, Gawain permaneceu simpático e cortês. Não demonstrou nada além de uma atenção gentil para com a sua noiva.
 
Finalmente, o casal se retirou para os seus aposentos.
 
— Você se manteve fiel à sua promessa — observou Ragnell. —Você não demonstrou nem piedade nem repulsa para comigo. Agora que estamos casados, venha beijar-me.
Gawain se aproximou imediatamente dela e a beijou. Quando se afastou, viu diante de si uma linda e serena mulher, de olhos cinzentos e rosto sorridente. Seus cabelos se eriçaram com o choque, e ele deu um pulo para trás.
 
— Que espécie de feitiçaria é esta? Ragnell respondeu:
 
— Você me prefere assim? — lentamente deu uma volta em torno dele.
 
— É claro que sim, mas não compreendo — gaguejou Gawain, confuso e assustado.
 
— Meu meio-irmão, Gromer, sempre me detestou. Ele aprendeu truques de feitiçaria com a mãe dele e usou-os para me transformar numa megera horrorosa.
 
Ordenou que eu vivesse com este corpo até que o melhor cavaleiro da Bretanha me escolhesse como esposa.
 
— Mas por que ele a odiava tanto? - perguntou Gawain. Com um sorriso nos lábios, Ragnell respondeu:
 
— Ele me achava atrevida e pouco feminina, porque eu me recusava a aceitar as ordens dele, tanto em relação à minha propriedade quanto à minha pessoa.
 
Com grande admiração, Gawain disse:
 
— Então você conseguiu o impossível e o feitiço dele foi quebrado!
 
— Só em parte, meu querido Gawain. — Ela o encarou com firmeza. — Você pode escolher como eu vou ser. Você quer que eu fique assim, com o meu próprio corpo, à noite em nosso quarto? Ou me quer grotesca à noite no nosso quarto e com o meu próprio corpo de dia no castelo? Bonita de dia ou bonita à noite, pense bem antes de responder.
 
Gawain ajoelhou-se diante da noiva e respondeu imediatamente.
 
— Esta é uma escolha que eu não posso fazer. Diz respeito a você, minha querida Ragnell, e só você pode escolher. O que quer que você escolha, eu a apoiarei.
Ragnell soltou um longo suspiro. A alegria em seu rosto deixou-o encantado.
 
— Você respondeu bem, meu querido Gawain. Sua resposta quebrou completamente o feitiço de Gromer. A última condição que ele impôs foi que, depois do casamento, o maior dos cavaleiros da Bretanha, meu marido, deveria dar-me o poder do exercício da soberania, o direito de exercer o meu livre arbítrio.
 
Só então o terrível feitiço seria quebrado para sempre.
 
E assim, com muito encantamento e alegria, começou o casamento de Sir Gawain e Lady Ragnell.

O homem que venceu o medo





















http://www.brincandonarede.com.br/conto/Livros/capitulo.aspx?cdl=21&cdc=6


















O homem que venceu o medo
João Oleiro era um homem muito medroso . Morria de medo de doenças, de ladrões e até de fantasmas. Ele tinha muitas qualidades e gostava de trabalhar, fazendo com perfeição belos objetos de barro, mas paralisava-o o medo de não vender o que produzisse, o medo de ser roubado, o medo de ficar na miséria.
 
De tanto medo, quase não saía de casa e evitava amigos. Seus negócios, que já não íam muito bem, piores ficaram quando um outro oleiro instalou-se na cidade e roubou-lhe a pequena freguesia que lhe restava. João começou a fazer dívidas e aos poucos os fantasmas que temia passaram a tomar corpo na forma de credores que batiam à sua porta e o ameaçavam de prisão.
 
Desesperado, não vendo saída para os seus problemas, João Oleiro resolveu matar-se.
 
“Por que não?”, pensou ele. “A vida para mim não vale mais nada. Não tenho amigos, não tenho fregueses, não tenho dinheiro nem para comer. Está resolvido: vou me matar.”
Assim que decidiu isso, João parou de se atormentar. Com a calma advinda do irremediável, ponderou que, já que aquele seria seu último ato, deveria fazê-lo bem feito. Como não fosse nada preguiçoso, resolveu primeiro fabricar um bom caixão para si mesmo. Lembrou-se de ter visto um velho barco abandonado na beira do rio e, à noite, tomando cuidado para não ser visto, foi buscá-lo.
 
Em casa, cortou a madeira e passou o dia todo lixando, martelando, pintando. Já era tarde quando o caixão ficou pronto; muito bem acabado, parecia obra de um mestre. Satisfeito consigo mesmo, João resolveu comemorar. Esquecendo que já ninguém lhe vendia fiado, entrou na taberna e pediu, todo cheio de si, uma caneca de cerveja. O taberneiro, diante daquela pose confiante, não ousou recusar, porém ficou intrigado: um homem naquela situação miserável rindo à toa? “Ali tem coisa”, pensou. Um dos empregados da taberna lembrou-se de tê-lo visto em atitude suspeita lá na beira do rio. – Talvez tenha encontrado algum tesouro – arriscou ele ao patrão.
 
João bebeu sua cerveja e voltou para casa. Muito contente, dormiu uma noite  cheia de sonhos agradáveis. Na manhã seguinte, acordou sentindo-se muito bem. Abriu as janelas de sua casa, deixou o sol entrar e decidiu que poderia conceder-se três dias de prazo antes de matar-se, pois queria aproveitar aquela sensação de bem-estar. E como o seu coração estivesse leve, pegou um pouco de barro e pôs-se a modelar tudo o que lhe vinha à imaginação, sem medo de censuras.
 
Trabalhou com gosto e no fim do dia admirou com orgulho a sua produção: vasos e potes lindos, originais, verdadeiras obras-primas.
 
Satisfeito, novamente João foi à cidade comemorar , mal cabendo em si de felicidade. Seus amigos, estranhando aquela atitude, resolveram, no dia seguinte, dar uma espiada em sua casa. E lá dentro viram João, que trabalhava assobiando, rodeado de belíssimas peças de barro. Um dos amigos resolveu entrar e oferecer um  bom dinheiro por um dos vasos. Outros logo o imitaram, e assim ele foi vendendo tudo o que produzia.
 
No fim daqueles três dias, João resolveu se permitir mais um prazo. “Afinal”, pensou, “sou eu quem vai morrer, posso marcar o dia que quiser. Além disso, estou cheio de encomendas e não quero decepcionar os amigos. Mais uma semana seria bom”, determinou e continuou trabalhando feliz, criando arrojadas peças . Não demorou que seus objetos de barro ganhassem fama. O outro oleiro, seu concorrente, não conseguiu segurar a freguesia: todos só falavam nos inigualáveis vasos de João.
 
De bem com a vida, é claro que João não pensou mais em morrer. Adiou indefinidamente aquela idéia e tratou de aproveitar sua sorte. Foi ficando rico, pagou suas dívidas, casou-se com uma boa moça e construiu para eles uma bela casa. No fundo da casa, num quartinho fechado a chave, guardou o caixão que fabricara naquele dia de desespero. A todos dizia que ali estava encerrado o segredo de sua prosperidade.
 
Só muitos anos mais tarde, depois de uma longa vida  venturosa, morreu João Oleiro. Abrindo o quarto secreto, seus netos descobriram que o único segredo da felicidade daquele homem foi ter sabido um dia enterrar o seu medo. 
Rosane Pamplona - Novas Histórias Antigas - São Paulo: BRINQUE-BOOK,1998.

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