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HOJE ALGUMAS FRASES ME DEFINEM: Clarice Lispector "Os contos de fadas são assim. Uma manhã, a gente acorda. E diz: "Era só um conto de fadas"... Mas no fundo, não estamos sorrindo. Sabemos muito bem que os contos de fadas são a única verdade da vida." Antoine de Saint-Exupéry. Contando Histórias e restaurando Almas."Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." Fernando Pessoa

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sexta-feira, 23 de março de 2012

A mulher teimosa


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Havia em tempos uma mulher tão teimosa, que por birra, meteu-se a uma ribeira, que levava muita água, e não dava passagem. Caiu na ribeira, e morreu afogada. No dia seguinte andou o marido em procura do cadáver da mulher; em vez, porém, de seguir o leito da ribeira, acompanhando o curso da água, êle procurou o cadáver pela ribeira acima.
— Procura mal o cadáver, — disse um compadre — pois é natural encontrá-lo lá em baixo.
— Não, compadre, a minha mulher era muito teimosa e mesmo depois de morta é capaz de caminhar contra a maré.
Anedota popular. Fonte: Cláudio Basto - A teimosia das mulheres nos contos populares, Portugal.
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A oferenda


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Nos idos de 1500, um pobre e ingénuo judeu marrano português chamado Josué emigrou com a mulher para a cidade santa de Safed, na Galileia. Fugido da ameaça das fogueiras da inquisição portuguesa, Josué estava radiante por finalmente poder praticar livremente a religião dos seus antepassados.
Já instalado na Terra Santa, anos mais tarde, ouviu o rabino falar na sinagoga sobre os lechem hapanim, os “pães de rosto”, que eram oferecidos na época do Templo Sagrado todas as sextas-feiras, antes do início do Shabbat. Depois de explicar as várias leis que em tempos antigos governaram estas oferendas, e de expor os seus significados místicos, o rabino suspirou profundamente e lamentou que, por causa dos nossos pecados, já não se podia alegrar Deus com estes pães.
As palavras sentidas do rabino sacudiram a alma do ingénuo marrano português. Quando chegou a casa, Josué contou tudo à mulher, Clara, e pediu-lhe que cozesse duas challot– o pão especialmente preparado para o shabbat – na sexta-feira seguinte. Deu-lhe todos os detalhes que se lembrava das palavras do rabino sobre o “pão de rosto”: a farinha, contou ele, devia ser peneirada 13 vezes, amassada ainda em estado de pureza e a massa devia ficar bem cozida no forno. “Deus deve estar cheio de fome, imagina, depois de tantos séculos sem poder comer estes pães! Vamos passar a levar-lhe challot todas as sextas-feiras.”, disse Josué cheio de alegria.
Clara cumpriu a vontade do marido e logo pela manhã da sexta-feira seguinte, quando Josué acordou, dois belos pães arrefeciam já sobre um pano imaculado na mesa da cozinha.
Faltando ainda muitas horas para o início do shabbat, o marrano português correu para a sinagoga, que estava deserta, e abrindo a Santa Arca disse com todo o fervor: “Oh! Senhor dos Céus, da Terra e de todos os seres, tem piedade deste teu filho e recebe esta pobre oferenda! Tomai estes pães e que eles sejam bem recebidos por Ti, como foram as oferendas dos nossos antepassados.”
Com as mãos trémulas, Josué depositou os pães na Santa Arca e, olhando em volta para ter a certeza que ninguém o vira, regressou rapidamente a casa.
Já Josué ia longe quando o shammash (o funcionário da sinagoga) chegou para preparar o shabbat. Ao abrir a Santa Arca para conferir os rolos da Torá, deparou com os dois belos e deliciosos pães e logo imaginou que só podiam ser para si. Algum judeu generoso os deixara em segredo, para não o envergonhar revelando a todos a sua pobreza, pensou ele.
Ao fim dessa mesma tarde, depois dos serviços religiosos, Josué dirigiu-se impacientemente à Arca Sagrada para ver se os pães ainda lá estavam. Quando viu que tinham desaparecido a sua alegria foi imensa. “Deus não desdenhou a nossa singela oferenda”, disse ele, radiante, à mulher.
E assim prosseguiu durante longos anos: sexta-feira de manhã Josué levava os dois pães feitos por Clara à sinagoga; e à tarde o shammash levava-os para casa profundamente agradecido ao seu secreto benfeitor. Ambos se deliciavam e agradeciam a Deus pelo milagre.
Tudo corria bem até que um dia o judeu português se preparava para cumprir o mesmo ritual de sempre quando os seus gestos foram observados pelo rabino, que nessa sexta-feira fora mais cedo para a sinagoga e, a um canto, preparava silenciosamente o sermão do dia seguinte. Intrigado, o rabino ouviu a prece de Josué oferecendo os dois pães a Deus. Primeiro ficou em silêncio, mas assim que compreendeu o que se passava, o rabino ficou irado. Finalmente, não se conseguindo conter por mais tempo, dirigiu-se a Josué: “Seu idiota! Que fazes tu? Por acaso pensas que Deus come e bebe como tu? É um pecado terrível imaginar que Deus tem qualidades físicas como os homens. Pensas mesmo que é Deus quem recebe os teus miseráveis pães? É óbvio que é o shammash que os come!”
O rabino gritava ainda, vermelho de raiva, quando o shammash entrou na sinagoga para cumprir as suas tarefas habituais. O rabino confrontou-o imediatamente: “Vá, diz lá a este pobre idiota quem é que todas as semanas tira os dois pães que ele deixa na Arca?!” O shammash admitiu logo ser ele quem levava os pães, sem compreender porque razão o rabino estava tão irritado.
Com os olhos encharcados em lágrimas, o marrano português contou então ao rabino como o seu sermão o inspirara a trazer os pães para a sinagoga. Acreditava que fazia uma boa acção, mas agora o rabino dizia-lhe que cometera um grande pecado. Desconsolado e sem saber o que dizer à mulher, Josué foi para casa.
Pouco tempo depois, entrou na sinagoga um mensageiro de Ari Ha´Kadosh que se dirigiu ao rabino. Em nome do seu mestre, o mensageiro disse ao rabino que fosse para casa, se despedisse da família e se preparasse, porque à hora destinada para o seu sermão de shabbat, na manhã seguinte, a sua alma teria já partido para o descanso eterno. “Assim anunciaram os Céus”, disse o mensageiro.
O rabino não queria acreditar na má notícia que ouvira. Sem perder tempo, foi ter directamente com o Ari Ha´Kadosh tentando saber que pecado fizera ele para merecer tal destino. O Ari confirmou a mensagem, acrescentando da forma mais gentil possível: “Ouvi que foi porque acabaste com um gesto que deleitava o Criador. Desde a destruição do Templo Sagrado que Deus não tinha uma alegria tão grande quanto aquela que lhe dava o gesto do marrano português, oferecendo os seus modestos pães do fundo do seu coração. Ao destruir a sua inocência, selaste o teu destino.”
E assim foi. Inconformado, o rabino dirigiu-se para casa e despediu-se da família. No dia seguinte, a sua alma partiu antes da hora marcada para a prédica de shabbat, tal como anunciara o Ari.


Parábola judaíca. Fonte: Século XVI, contada no círculo de estudos do rabino Chaim Vital – sucessor de Isaac Luria, o Ari Ha´Kadosh, na liderança do movimento místico dos cabalistas de Safed – foi impressa pela primeira vez em meados do século XVII no livro Mishnat Hachamim, escrito pelo rabino Moshe Hagiz (1572-?), de Jerusalém.

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A noiva cadáver


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Era uma vez um homem que vivia em uma vila russa e estava preste a se casar. Ele e seu amigo resolveram fazer uma viagem até a vila onde sua noiva morava, que ficava há uns dois dias de distância. Os amigos embarcam na viagem, e resolvem levantar acampamento na margem de um rio. O jovem homem, que iria se casar, encontra um estranho graveto no chão que mais parecia o osso de um dedo. Ele e seu amigo começaram a fazer brincadeiras e piadas com o graveto e o noivo pegou seu anel de casamento e colocou no que parecia ser os restos mortais de um dedo. O jovem começou a dançar em volta do osso, cantando e dançando músicas judias de casamento e recitou todo o sacramento de um casamento enquanto seu amigo morria de rir.
Mas toda a alegria acabou de repente. O chão começou a tremer sob seus pés e o osso no chão deu lugar a um buraco de onde saiu uma estranha noiva, uma noiva viva. Ela havia sido uma noiva mas agora estava mais para um esqueleto amontoado com restos de pele, e ainda usava um velho vestido branco. Minhocas e teias de aranha agarraram o noivo e seu amigo.
Os dois jovens estavam presos. A noiva então anunciou aos dois amigos que que o jovem noivo havia colocado o anel sem eu dedo, pronunciado os votos de casamento e feito danças cerimoniais, e que agora ela queria os seus direitos como noiva. Ao conseguirem se libertar os dois amigos correram para a vila e foram procurar o rabino atrás de respostas para o que havia acontecido. Agora, a decisão dos rabinos farão dos dois casados ou não.




Conto judaíco russo.

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A princesa Nabo


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Um jovem príncipe se perdeu na floresta e chegou a uma caverna. Ele passou a noite lá, e quando acordou, viu ao seu lado uma velha com um urso e um cachorro. A velha bruxa parecia muito bonita e queria que o príncipe ficasse e casasse com ela. Ele não a tolerava, mas não conseguia deixar aquele lugar.
Um dia, o urso estava sozinho com ele e falou ao príncipe: "Puxe o prego enferrujado na parede, para que seja levado, e o coloque debaixo de um nabo no campo, e, desta forma você terá uma bela esposa. " O príncipe puxou o prego tão fortemente que a caverna balançou e o prego soltou-se com um ruído tão alto como um trovão. Atrás dele, um urso se levantou do chão como um homem barbudo, e com uma coroa em sua cabeça.
"Agora vou encontrar uma linda donzela", exclamou o príncipe e saiu velozmente. Ele foi até um campo de nabos e estava prestes a colocar o prego sob um deles quando apareceu sobre ele um monstro, de modo que deixou cair o prego, furou o dedo em uma cerca de arbustos e sangrou até que caiu sem sentidos. Quando ele acordou, viu que ele estava em outro lugar e que havia adormecido por muito tempo, pois seu queixo liso era agora crespo, com uma barba loira.
Ele se levantou e percorreu campos e florestas ,procurando por todos os campos de nabo, mas nada encontrou o que estava procurando.Dias e noites passaram, e numa tarde, ele se sentou sob um arbusto, um abrunheiro com flores vermelhas em um galho.Ele quebrou o galho, e porque estava diante dele, entre as outras coisas no chão, um nabo grande, branco, ele enfiou o ramo de abrunheiro no nabo e adormeceu.
Quando acordou no dia seguinte, o nabo ao lado dele parecia uma concha grande aberta, aonde deixou o prego, e a parede do nabo se assemelhava a uma casca de noz, cujo núcleo parecia moldar sua imagem. Ele viu ali um pequeno pé, a mão fina, o corpo inteiro, até mesmo o cabelo tão delicadamente impresso, assim como a garota mais bonita que existia.
O príncipe se levantou e começou sua busca, e chegou finalmente à caverna velha na floresta, mas ninguém estava lá. Ele tirou o prego e fincou-o na parede da caverna, e uma vez mais a velha e o urso também estavam lá. "Diga-me, para você saber com certeza", rosnou o príncipe ferozmente a velha ", onde você colocou a menina bonita da imagem?" A velha riu ao ouvir isto: "Você tem a mim, por que você me despreza?"
O urso assentiu com a cabeça também, e olhou para o prego na parede."Você é honesto, com certeza", disse o príncipe, "mas eu não serei bobo da velha novamente." "Basta puxar o prego", rosnou o urso. O príncipe estendeu a mão e puxou-o pela metade, olhou em volta e viu o urso como já metade homem, e a mulher odiosa velha quase como uma garota bonita e gentil. Então ele tirou o prego totalmente e voou para os braços dela, já livre do feitiço colocado sobre ela e o prego queimou como o fogo, e o casal viajou com seu pai, o rei, de volta para o seu reino.


Conto de Fada Alemão. Recolhido por Franz Xaver von Schönwerth.

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A gratidão do Leopardo


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Eianga dia Ngenga tomou a sua espingarda dizendo: vou caçar! Entrou para o bosque e foi caçar. Não encontrou caça, e disse: vou voltar.
Voltava para casa quando encontrou o senhor Leopardo que estava engalhado numa forquilha de árvore. Vendo Nianga, o Leopardo exclamou: Pai Nianga ajude-me!
— ‘Quem te pôs nesta árvore? Êle respondeu: engalhei-me, quero falar-te.
Nianga libertou-o e o Leopardo ficou no solo, dizendo: O Elefante colocou-me na forquilha da árvore. Quem salva a vida, salva tudo. Há dois dias que estou na árvore. Dê-me comida.
Nianga respondeu: Onde irei encontrar comida ? O Leopardo declarou: em qualquer parte… Nianga tomou seu cão e o entregou ao senhor Leopardo. O senhor leopardo comeu-o e disse: Não estou satisfeito! Nianga tomou ainda outro cão e o deu ao senhor Leopardo. Este, devorou p. disse: Ainda não é bastante!
Nianga dia Ngenga tomou sua cartucheira e lha deu. O senhor Leopardo, quando acabou de comer, disse: Ainda não é o suficiente...
O Coelho chegou e encontrando a conversa, disse: por que discutem? Niaaiga respondeu: O senhor Leopardo foi encontrado por mim numa forquilha de árvore. Disse-me que o salvasse. De pois ‘pediu que comer. Dei-lhe ambos os meus cães e minha cartucheira. Êle ainda disse que não era. o bastante. Discutíamos sobre esse assunto.
O Coelho opinou: Senhor Leopardo, volte ainda uma vez à forquilha da árvore. Preciso verificar…
O senhor Leopardo voltou à árvore e ficou como> dantes estava. O Coelho afastou-se e chamou Nian-g-a, dizendo-lhe: Foste imprudente. O Senhor Leopardo é um animal feroz, querendo devorar a todos. Quando pensaste em libertá-lo, êle planejou comer a ti. Matai-o!
Nianga atirou no senhor Leopardo.
O fim… com Deus.
Fonte: Camara Cascudo:Os melhores contos Populares de Portugal.conto Africano.

O barril misterioso


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Habitava nos confins da Normandia um destemido cavaleiro, cujo nome causava terror na região. De seu castelo fortificado junto ao mar, não receava nem mesmo o rei.
De grande estatura e belo porte, era no entanto vaidoso, desleal e cruel, não temendo a Deus nem aos homens.
Não fazia jejum nem abstinência, não assistia à Missa nem ouvia sermões. Não se conhecia homem tão mau.
Numa Sexta-feira Santa, bradou ele aos cozinheiros:
— Aprontai-me para o almoço a peça que cacei ontem.
Ouvindo isto, seus vassalos exclamaram:
— Senhor, hoje é Sexta-feira Santa. Todos jejuam, e vós quereis comer carne? Crede-nos: Deus acabará por vos punir.
— Até que tal aconteça, terei enforcado e roubado muita gente.
— Estais seguro de que Deus tolerará mais isso? Vós devíeis arrepender-vos sem demora. Em um bosque vizinho há um padre eremita, varão de grande santidade. Vamos até lá e confessemo-nos — insistiram os vassalos.
— Confessar-me? Aos diabos! — respondeu com desprezo o senhor.
— Vinde ao menos fazer-nos companhia.
— Para me divertir, concedo. Por Deus, nada farei.
E puseram-se a caminho. Na floresta solitária e quieta encontraram o santo varão na ermida.
Advertido pelos vassalos, que se confessaram, saiu o eremita ao encontro do orgulhoso senhor, que ficara montado. E disse-lhe:
— Sede bem-vindo, senhor. Visto que sois cavaleiro, deveis ser cortês. Desmontai e vinde falar comigo.
— Falar convosco? Por que diabos? Estou com pressa.
— Entrai e conhecei minha capela e minha morada.
Muito a contragosto e resmungando, o cavaleiro apeou. O eremita tomou-o pelo braço, conduziu-o diante do altar e disse-lhe:
— Senhor, matai-me, se quiserdes, mas daqui não saireis sem antes confessar-vos.
— Não contarei nada! E não sei o que me impede de matar-vos.
— Irmão, dizei-me um só pecado. Deus vos ajudará a confessar os demais.
— Diabos! Não me dareis sossego? Eu o farei, mas de nada me arrependerei.
E com grande arrogância contou de um só lance todos os pecados.
Depois de ouvi-lo, o eremita propôs:
— Senhor, pelo menos sujeitai-vos a uma penitência.
— O quê!? Penitência!? Caçoais de mim! — vociferou furioso o cavaleiro.
— Jejuareis todas as Sextas-feiras durante três anos.
— Três anos! Estais louco! Jamais!
— Então, um mês.
— Também não.
— Ireis a uma igreja e direis aí um Padre-Nosso e uma Ave-Maria.
— Para mim seria enfadonho, e ademais, tempo perdido.
— Pelo amor de Deus todo poderoso, pegai pelo menos este barrilzinho, enchei-o no regato próximo e trazei-o de volta para mim.
— Bem, isto não me custa tanto. E sobretudo para ficar livre de vós, concedo.
Saiu o cavaleiro em direção à fonte, e de um só golpe afundou na água o barrilzinho. Neste não entrou uma gota sequer. Tentou novamente de um jeito, de outro... Nada!
Intrigado e rangendo os dentes de raiva, voltou à ermida e esbravejou:
— Barril enfeitiçado! Não consigo meter-lhe uma só gota de água!
— Senhor, que triste estado é o vosso! Uma criança o teria trazido transbordando. Isto é um sinal de Deus, por causa de vossos pecados.
— Pois eu vos juro que não lavarei minha cabeça, não farei a barba nem cortarei as unhas enquanto não encher este barril, ainda que tenha de dar a volta ao mundo. E nisto empenho minha palavra!E assim partiu o cavaleiro com o barrilzinho, levando só a roupa do corpo. Em todos os poços e regatos, cascatas e rios, lagos e mares, experimentava encher o pequeno tonel, mas sempre em vão. Caminhando sem cessar, passando frio e calor, por planícies e montanhas, percorreu ele muitos países.Maltrapilho e sujo, curtido pelo sol, obrigado a mendigar, sofreu fome, insultos e chacotas, pois muitos desconfiavam dele. Seu corpo ia definhando, e o barrilzinho pesava-lhe enormemente, amarrado ao pescoço.Ao cabo de um ano de fracassos, decidiu voltar à ermida, onde por fim chegou, exatamente na Sexta-feira Santa. O eremita, não o reconhecendo, perguntou:— Caro irmão, quem vos deu esse barrilzinho? Há um ano entreguei-o a um belo cavaleiro, que não voltou mais aqui. Nem sei se ainda vive.— Esse cavaleiro sou eu, e este é o estado em que me colocaste! — respondeu cheio de cólera o desgrenhado peregrino, contando a seguir suas desventuras.O santo homem indignou-se ante tanta dureza de alma, bradando:— Vós sois o pior dos homens! Um cão, um animal qualquer teria enchido o barril. Ah! bem vejo que Deus não aceitou vossa penitência, porque não vos arrependestes!E pondo-se a chorar, rogou à Santíssima Virgem que intercedesse por aquele pecador empedernido.Enquanto o eremita soluçava em sua longa oração, o cavaleiro, quieto, foi tocado pela graça. Seu coração tão duro comoveu-se. Os olhos se lhe turvaram. Uma grossa lágrima rolou-lhe pela face ressequida, caindo diretamente dentro do barrilzinho, que trazia amarrado ao pescoço. E esta única lágrima encheu-o até os bordos.Sinceramente arrependido, o cavaleiro pediu para confessar-se. O eremita, maravilhado, abraçou-o em prantos de alegria. Após ministrar a absolvição sacramental ao penitente, o eremita perguntou-lhe se queria receber a comunhão.— Sim, meu pai. Mas apressai-vos, porque sinto que vou morrer.
Tendo recebido o Santíssimo Sacramento, com a alma purificada, o cavaleiro agradeceu comovido ao eremita, e colocou-se em suas mãos. Pouco depois exalava o último suspiro.
A capela iluminou-se, e os anjos levaram sua alma ao Paraíso. Diante do altar, o eremita velou longamente aquele corpo coberto de andrajos, tendo junto de si o prodigioso barrilzinho.

Fonte: Catolicismo, nov. 1978 - Adaptado de "Poètes et prosateurs du Moyen Âge", Hachette, Paris, 1921.

A Árvore mais alta



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Nesta história, que nos chega do Vietnã, um viajante fala das maravilhas que o deixaram deslumbrado. - Num porto longínquo – disse ele -, vi um barco. Ele era tão vasto que um jovem grumete, partindo da popa, chegava a proa de cabelos brancos. - Um dos que o escutavam disse:- Isso nada tem de surpreendente. Numa floresta, não muito longe daqui, conheço uma árvore alta que um pássaro precisa voar durante dez anos para atingir o topo.- Que mentira! – gritou o viajante. – Não existe nenhuma árvore assim.- Ora – perguntou o outro -, e com que fizeram o mastro do seu barco?
CARRIÈRE, Jean-Claude. O Círculo dos mentirosos. Tra: Cláudio Figueiredo. São Paulo: Codex, 2004. 419 ps.

A soberba da árvore


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Há muitíssimos anos no cume mais alto do Himalaia se erguia uma árvore gigantesca, de extraordinária frondosidade, em cuja sombra iam se proteger os habitantes daquelas regiões. Ocorreu que certo dia um santo monge budista chamado Shinram, extenuado pelo calor e fadiga de uma longa caminhada, foi sentar-se à sombra acolhedora da grande árvore. E dirigiu ao esplêndido vegetal palavras de agradecimento e admiração.- É evidente -disse- que deves gozar da proteção de algum poderoso deus, posto que nem o furacão nem as nevascas - que tão violentas são no Tibete- conseguiram desbaratar tua magnífica cabeleira, nem abater seu soberbo tronco no curso dos séculos. É por acaso o deus do Vento quem te protege?- Nada disso! –contestou a árvore com altivez, sacudindo seus ramos com um ruído semelhante ao trovão. Engana-te, ancião. Nunca me protegeu nenhuma divindade, e menos ainda o maligno Vento, que não tem amigos nem perdoa a nada.– Então ... – disse o monge.– O que sucede, - interrompeu a árvore – é que nada nem ninguém pode contra mim, por forte e poderoso que seja. Quando o vento se desata furioso e sopra com seu ímpeto as demais árvore, se detém esgotado ante minha potência e se retira, mudo e temeroso, desejando em seu coração que eu não me encolerize contra ele e o castigue severamente.Tais palavras cheias de soberba e de orgulho néscio, indignaram ao bom Shinram. Olhando fixamente à soberba árvore, o monge budista exclamou indignado:- Não te envergonhas? Como te atreves, miserável vegetal, a usar este tom de desprezo para com um dos deuses mais poderosos, que é um terror do universo?E pondo-se em pé, decidiu abandonar aquele lugar, dizendo:- Vou daqui. Ainda que cansado e desejoso de sombra e frescor, não posso deter-me nem um minuto mais a falar com um ser tão indigno e tolo como tu.E seguiu, apoiando-se em seu grosso cajado, murmurando palavras de indignação contra a árvore.Mas ainda não havia desaparecido no horizonte quando o céu escureceu e a terra se pôs a tremer e apresentou-se o Vento em pessoa, com um espantoso sibilo, agitando ameaçadoramente sobre a árvore seus potentes braços feitos de nuvens.Quando a árvore viu o poderoso deus junto a ela, estremeceu até o mais profundo de suas raízes, e no íntimo desejou jamais ter pronunciado aquelas insensatas palavras.- Que tal arvorezinha – falou o Vento – Achas que não sou bastante potente para ti! Hahahaha!E ao rir todas as árvores do bosque se dobraram aterrorizadas até o solo. O Vento prosseguiu, dizendo mal-humorado:- Muito bem! Quer dizer que tenho medo de ti. Não sabes que se eu quisesse te derrubaria num instante como ao menor dos arbustos? Se agora te perdôo a vida, ingrato, e te conservei intacto durante séculos, é porque na noite dos tempos, quando o mundo era em grande parte um caos, o deus Brama, cansado do trabalho da criação do mundo, repousou na tua sombra. Não sabias, acaso?- Não, não sabia – conseguiu murmurar a árvore.- E é precisamente a memória daquele feito – completou o Vento – que te concedi a vida até hoje. Mas tu me insultaste, me ultrajaste e por isso mereces o castigo mais atroz. Mas não o aplicarei agora, mas sim amanhã. - Perdão! – suplicou a árvore – Te prometo não voltar a fazê-lo.Mas o Vento, sem fazer caso desta súplica, prosseguiu em tom ameaçador:- Quero castigar-te à luz do sol, para que todos possam ver como o Vento trata aos ingratos e soberbos. Até amanhã!E lançando um ultimo sibilo que abateu às árvores da selva e fez as feras irem ao fundo de suas tocas, desapareceu tão rapidamente como tinha vindo. Pouco depois veio a noite e o silêncio envolveu o mundo. Todas as plantas adormeceram cansadas e temerosas. Só a árvore do Himalaia velava em sua angústia. E dizia para si: "Com que gosto desdiria tudo que falei ao monge budista e me retrataria de tudo! Agora, quem sabe o que me espera! Provavelmente serei arrancado, feito em pedaços e triturado; meu tronco e ramos serão espalhados pela selva e só serão úteis para arder numa fogueira... Depois de tantos séculos de vida e reinado, serei cinzas na terra...!" Mas, à medida que ia meditando essas coisas, ocorreu que talvez existisse um remédio heróico, uma última esperança de sobreviver: resistindo à fúria do Vento.– Sim – murmurou – despojado de todos meus ramos e folhas, poderei resistir melhor aos embates do meu inimigo. Num momento, se despojou de todos os ramos e arrancou até a última folha e a madrugada encontrou um tronco mutilado e desnudo. Momentos depois se apresentou o Vento. Vinha cheio de cólera e desejoso de vingar-se. Mas então ocorreu algo surpreendente.Quando o deus estava junto a árvore e a viu sem folhas, sua cólera se desvaneceu instantaneamente. E começou a rir, primeiro com um riso breve e logo uma gargalhada forte e sonora, que invadiu toda a terra. Por fim, uma vez recobrado o alento, disse com ironia:- É verdade que não te conheço, árvore soberba! O castigo que tu mesmo te infligiu foi muito mais atroz do que eu podia te aplicar com toda a força de minha cólera. Agora és um espetáculo realmente grotesco, porque todos se riem de ti: os animais e plantas, os homens e também os deuses. Que maior vingança contra uma soberba e néscia como tu? Hahahah! E proferindo sonoras gargalhadas, voltou à áurea morada dos deuses, deixando a árvore triste e humilhada.
(conto tibetano)

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