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HOJE ALGUMAS FRASES ME DEFINEM: Clarice Lispector "Os contos de fadas são assim. Uma manhã, a gente acorda. E diz: "Era só um conto de fadas"... Mas no fundo, não estamos sorrindo. Sabemos muito bem que os contos de fadas são a única verdade da vida." Antoine de Saint-Exupéry. Contando Histórias e restaurando Almas."Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." Fernando Pessoa

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terça-feira, 10 de novembro de 2009

Sempre Não

Um cavaleiro, casado com uma dama nobre e formosa, teve de ir fazer uma longa jornada:
receando acontecesse algum caso desagradável enquanto estivesse ausente, fez com que a
mulher lhe prometesse que enquanto ele estivesse fora de casa diria a tudo: – Não. Assim
pensava o cavaleiro que resguardaria o seu castelo do atrevimento dos pajens ou de qualquer
aventureiro que por ali passasse. O cavaleiro já havia muito que se demorava na corte, e a
mulher aborrecida na solidão do castelo não tinha outra distracção senão passar as tardes a
olhar para longe, da torre do miradouro. Um dia passou um cavaleiro, todo galante, e
cumprimentou a dama: ela fez-lhe a sua mesura. O cavaleiro viu-a tão formosa, que sentiu logo
ali uma grande paixão, e disse:
– Senhora de toda a formosura! Consentis que descanse esta noite no vosso solar?
Ela respondeu:
– Não!
O cavaleiro ficou um pouco admirado da secura daquele não, e continuou:
– Pois quereis que seja comido dos lobos ao atravessar a serra?
Ela respondeu:
– Não.
Mais pasmado ficou o cavaleiro com aquela mudança, e insistiu:
– E quereis que vá cair nas mãos dos salteadores ao passar pela floresta?
Ela respondeu:
– Não.
Começou o cavaleiro a compreender que aquele Não seria talvez sermão encomendado, e
virou as suas perguntas:
– Então fechais-me o vosso castelo?
Ela respondeu:
– Não.
– Recusais que pernoite aqui?
– Não.
Diante destas respostas o cavaleiro entrou no castelo e foi conversar com a dama e a tudo o
que lhe dizia ela foi sempre respondendo
– Não.
Quando no fim do serão se despediam para se recolherem a suas câmaras, disse o cavaleiro:
– Consentis que eu fique longe de vós?
Ela respondeu:
– Não.
– E que me retire do vosso quarto?
– Não.
O cavaleiro partiu, e chegou à corte, onde estavam muitos fidalgos conversando ao braseiro, e
contando as suas aventuras. Coube a vez ao que tinha chegado, e contou a história do Não;
mas quando ia já a contar a modo como se metera na cama da castelã, o marido já sem ter
mão em si, perguntou agoniado:
– Mas onde foi isso cavaleiro?
O outro percebeu a aflição do marido e continuou sereno:
– Ora quando ia eu a entrar para o quarto da dama, tropeço no tapete,sinto um grande
solavanco, e acordo! Fiquei desesperado em interromper-se um sonho tão lindo.
O marido respirou aliviado, mas de todas as histórias foi aquela a mais estimada.

Teófilo Braga
Contos Tradicionais do Povo Português
(1883)
* * *

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