Era uma vez um rei que se deixava levar com freqüência pela cólera, mesmo pelos
motivos mais insignificantes.
Um dia entrou com ar furioso na cozinha do palácio, gritando :
- Esta é única !
- Que aconteceu? - perguntou-lhe a rainha, voltando-se surpreendida para o marido e
parando de brigar com o cozinheiro.
- Que aconteceu? - prosseguiu o rei, com voz trêmula de raiva -. Imagine que passei
toda a manhã na caça, sem abater sequer um javali. Gastei todas as minhas flechas,
bati com a cabeça em uma árvore e voltei ao palácio com um miserável ouriço !
Um sorriso transpareceu no rosto rosado e gentil da rainha.
- Deverias aprender a apurar mais a mira - disse-lhe ela, em tom de doce censura.
Estas palavras fizeram aumentar até o máximo a cólera do rei, que se considerava o
melhor caçador de todo o pais, embora talvez não existisse outro mais desajeitado.
Parecia que até os animais sabiam disso, visto que passavam por junto dele sem
medo, dançando defronte do seu arco esticado e pouco se importando com as flechas
que sibilavam no ar, cravando-se nos troncos das árvores mas nunca na caça.
Mais de uma vez as lebres tinham zombado dele, e os javalis haviam passado bem por
perto da sua pessoa, roçando-o até, como para lhe fazer compreender que as suas
flechas de prata não lhes podiam fazer nenhum mal.
- Por que não te exercitas no pátio do palácio, com os nossos estúpidos criados? -
prosseguiu a rainha que, algumas vezes, se permitia aborrecer o seu augusto esposo.
Em vez de responder, o rei rangiu os dentes e arrancou da cabeça o barrete, jogandoo
no chão e pisando-o num ímpeto de raiva concentrada.
Quando se acalmou um pouco, a rainha dirigiu-lhe de novo a palavra, sempre
sorrindo:
- Vês que te irritaste inutilmente?
Aquilo era demais para o rei.
Um novo ímpeto de raiva invadiu o soberano; mas, descobrindo nesse momento
alguns pastéis enfileirados em cima da mesa, ficou admirado de que os mesmos não
lhe tivessem aguçado a gula, aplacando-lhe ao mesmo tempo a fúria.
- Magníficos e apetitosos, estes pastéis!. . .
E depois de engolir um, disse, fazendo estalar a língua de encontro ao céu da boca:
- Estão realmente deliciosos!
Em um abrir e fechar de olhos engoliu o rei mais de dúzia e meia. - Bons! . . .
Excelentes ! . . . Bravo, cozinheiro!... Estes pastéis te honram, - exclamou, falando ao
cozinheiro.
- Majestade! - respondeu o cozinheiro - a farinha com que preparei estes pastéis foime
dada por uma tia minha, feiticeira, que mora em cima da colina.
- É? E onde arranja ela esta farinha tão boa?
E sem aguardar resposta, fez desaparecer outros cincos pastéis, devorando-os com
avidez.
- Não comas mais - advertiu-o a rainha .- Poderiam fazes-te mal.
Por única resposta, o monarca voltou-se para o cozinheiro, dizendo-lhe em tom
ameaçador:
- Escuta, cozinheiro: gostarias que amanhã cedo eu te mandasse cortar a cabeça?
- Por piedade, Sir! Que dizeis? - exclamou o pobre homem, começando a tremer de
susto.
* * *
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