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HOJE ALGUMAS FRASES ME DEFINEM: Clarice Lispector "Os contos de fadas são assim. Uma manhã, a gente acorda. E diz: "Era só um conto de fadas"... Mas no fundo, não estamos sorrindo. Sabemos muito bem que os contos de fadas são a única verdade da vida." Antoine de Saint-Exupéry. Contando Histórias e restaurando Almas."Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." Fernando Pessoa

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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A FILHA DO REI EM BUSCA DE MARIDO


Era uma vez a filha de um Rei, que passava o dia inteiro sentada no terraço do
palácio, olhando para longe.
Ansiava por ver caminhar na direção do palácio algum mancebo, montando um
cavalo ajaezado de ouro, e com capacete de aço na cabeça e reluzente espada
à cintura.
Era porque ela queria casar, e não com qualquer um, mas com um moço
brilhante; porém, o cavaleiro do modo que ela queria, não aparecia.
E como passavam os dias e as noites sem conseguir o que almejava, a filha do
Rei foi entristecendo, e aos poucos diminuíram as suas exigências. Agora já se
contentaria com um cavaleiro menos brilhante, sem capacete de aço, sem
espada reluzente, e até sem arreios de ouro no cavalo.
Por fim, a filha do Rei já aceitaria como marido aquele que usasse até mesmo
um simples gorro de pano em vez de capacete de aço, punhal no cinto em vez
de espada, e que tivesse como cavalgadura um cavalinho trôpego e com
qualquer manta ordinária cobrindo a sela. Mas nem este aparecia.
Aumentou assim a tristeza da filha do Rei, chegando a tal ponto, que ela
desceu do terraço e partiu para o campo. No caminho encontrou-se com um
indivíduo que ia cantarolando uma alegre canção.
- Amigo, - disse ela - quererias ser Rei e meu marido?
- Muito obrigado! - respondeu ele, recusando-se com muita delicadeza. - Eu
seria obrigado a ficar todo o santo dia no palácio, com uma pesada coroa na
cabeça e um estorvante manto de arminho nas costas! E o que me interessa, é
andar livre e solto, pelo mundo afora.
Dizendo isto, recomeçou a sua divertida canção e apertou o passo. Pouco
depois a filha do Rei viu um alfaiate sentado à porta da sua oficina, e cosendo
com muito entusiasmo.
- Queres ser meu marido e depois Rei? - perguntou-lhe.
O alfaiate respondeu com voz trêmula, percorrendo todos os tons da escala, e
cantarolou:
"Lá, lá, lá. . . o Rei tem de ir à guerra, e não pode recusar;
lá, lá, lá. . . eu prefiro ainda ser costureiro e remendão!"
A filha do Rei saiu dali decepcionada, e pouco depois tropeçou com um velho e
simples frade mendicante.
- Irmão, - perguntou-lhe - quer ser meu marido e mais tarde Rei?
- Eu, Rei? - respondeu desconcertado o monge. - O que pensas de mim? Não
sou homem para impor tributos e impostos aos súditos, nem para tirar
dinheiro do próximo! Todos ficariam pobres e não teriam o que dar a este
velho frade.
O pobre não percebia que, se fosse Rei, já não seria mais monge mendicante!
Era tão simplório...
Pouco depois ela encontrou um limpador de chaminés.
- Casa comigo - pediu-lhe - e logo serás Rei.
- Não deves estar regulando bem da cabeça - disse sorrindo o limpador de
chaminés. - Primeiro eu teria de tomar um banho... e me horrorizo só de
pensar!
E a deixou, sem lhe dar tempo de insistir.
Diante de tantas negativas, a tristeza da filha do Rei aumentou, e ela já não
sabia o que fazer para arranjar marido, mas apesar disto queria encontrá-lo.
Foi ao curral, e ali viu um bezerro comendo a sua ração de cheiroso feno.
- Querido novilho, - disse a filha do Rei - tu tens mulher?
O animalzinho estava engasgado com um fiapo de feno, e para sacudi-lo movia
a cabeça para um lado e para outro.
A filha do Rei pensou que ele estivesse respondendo negativamente, e toda
satisfeita, lançou-lhe os braços ao pescoço e disse, sorrindo:
- Então casa comigo, querido novilho; te sentirás muito bem a meu lado, e
logo serás rei.
Então o bezerro deu um mugido que a filha do rei pensou que fosse por estar
com medo dela, e correndo se afastou dele.
Em outro curral viu um cordeiro branco como a neve, que achou muito
simpático. Porém, mal lhe fez a pergunta de sempre, o animal baliu: bé, bé,
bé. Ela entendeu: vai, vai, vai, e, horrorizada, abandonou o curral. Sentou-se
no pátio e chorou, ao ver que não conseguia um marido.
Viu então num canto um burrico roendo um cardo com tonta vontade, que
parecia não se preocupar com mais nenhuma coisa no mundo, a não ser com
aquele cardo espinhoso.
Apesar disto, a princesa quis tentar a sorte pela última vez. Aproximou-se dele
carinhosa e aduladora e lhe disse:
- Burrinho encantador, embora não saibas o que te convém, casa comigo.
Garanto que não te arrependerás! Eu te porei bem bonito e te estimarei muito.
Além disso, dentro de pouco tempo serás Rei!
O asno zurrou, abaixando e levantando a cabeça (como fazem sempre os
asnos quando zurram) e a filha do rei, achando que ele respondia que sim,
bateu palmas, entusiasmada, pegou o asno pelo cabresto e o introduziu no
palácio. Ali os criados o levaram e lhe puseram ricos trajes. A filha do Rei
depois o levou ao terraço, para que dali ele pudesse recrear a vista
contemplando os frondosos bosques, os floridos campos que havia em volta, e
o grande número de casas e cabanas. Disse-lhe ela:
- Olhe, querido, tudo isto é teu, pois agora tu és o Rei deste país! Poderás
comer as melhores iguarias e tomar os melhores vinhos; não precisarás mais
espetar tua linda boquinha com aqueles cardos espinhentos!
Mal ouviu a palavra "cardos", o asno levantou as orelhas e abriu a boca, de
prazer; mas a filho do Rei não compreendeu o significado dos gestos do
burrico, e lhe disse:
- Meu pobre querido, deves estar cansado, para bocejar assim... Vem, que eu
te deitarei numa cama branca como a neve, que mandei preparar para ti.
Dizendo isso, pegou o burrico pelo cabresto, levou-o ao seu quarto e o deitou
na macia cama, cobrindo-o carinhosamente com uma colcha de seda colorida.
Ali dormiu o burrico tranqüilamente o sono dos justos. Quando acordou, seus
olhos já encontraram a filha do Rei, que lhe perguntou delicadamente se ele
ainda estava cansado.
Por toda resposta o asno deu dois zurros, que ela interpretou como um "sim,
sim"...
- Muito bem, - respondeu a princesa - então, descansa um pouquinho mais.
Porém deves estar com fome. . . Queres que eu mande trazer-te a refeição
matinal, para a tomares na cama?
Mais dois zurros, e o filho do Rei mandou colocar ao pé da cama, onde estava
deitado o asno, uma grande mesa cheia de saborosos manjares: pão fresco,
toucinho cheiroso e presunto vermelhidão, café e geleia; disse ao asno que
comesse de tudo.
Não foi preciso insistir, porque ao ver tudo aquilo, as orelhas do quadrúpede
tinham ficado quase na vertical. Num abrir e fechar de olhos, ele devorou tudo.
- Com certeza queres mais, não é? - perguntou-lhe a filha do Rei, e o asno
zurrou novamente duas vezes.
Então a filha do Rei deu ordem para que levassem mais outra quantidade igual
de comida, mandando acrescentar ainda carne de galinha, ovos fritos e uma
porção de pastéis. O asno sentia-se no paraíso. E de cada vez que a filha do
Rei lhe perguntava se desejava alguma coisa mais, ele respondia com dois
zurros, que ela entendia por "sim, sim"... Assim foi engolindo, engolindo...
A filha do Rei e todo o pessoal de serviço se maravilhavam com o terrível
apetite do novo soberano. E o asno continuou devorando até altas horas da
noite, durante toda a noite e ainda nas primeiras horas da manhã; aí então se
ouviu um forte estalo, que por pouco não fez cair de costas a filha do Rei.
O empanturrado asno havia estourado!
A filha do Rei se aproximou e viu com assombro o asno naquelas tristes
condições, os ricos manjares que ele havia engolido espalhados pelo chão, e
chorou amargamente o triste fim do seu amado marido.
Sentou-se de novo no terraço, esperando o lindo cavaleiro com o qual havia
sonhado, e que nunca chegou. Assim, ela teve de ficar solteira. . .

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